sábado, agosto 25, 2007

A Verdadeira História VIII


Então. Três meses e meio haviam se passado. Eu já havia voltado a trabalhar, ainda que com dificuldade. Reduzido a uma jornada de cinco horas diárias, por causa do ferimento, o dia não era muito produtivo lá na Soft. E também não tinha sentido, pois Ela não estava mais lá. É, me informaram que quatro dias depois de eu entrar em coma, ela saiu do hospital, se demitiu, e despareceu. Vanished. Simplesmente sumira do mapa. Nem Renat* sabia algo sobre ela.

Também havia muita coisa pra eu me preocupar. Tinha que resolver coisas da indenização. É, o juiz disse que foi culpa do pessoal do Edifício, que não deu segurança aos moradores. Foda isso, né? Não fui nem eu quem lançou o processo. Foi D. Amália. Né foda? Foda. Bem, eu não me importaria em ganhar mais alguma grana. Mas tinha o processo, tinha que testemunhar, e os blablablas de sempre. Eu tinha acabado de levar um tiro, meu "mundo" sumira, tive que gastar muito com o hospital, etc. A coisa não tava legal pro meu lado, não.

Mentira, nada disso me preocupava (tá, talvez a perda do distúrbio), só Seu sumiço. Pra que? Por quê? Por que eu provavelmente viraria um inválido, se não morresse? Bah, não tem pra quê eu pensar isso. Ela não pensaria assim. Foda. Foda mesmo! De qualquer forma, ela se foi, né? E eu estava sem meu mundo. Culpa do meu mundo. Quem me mandou sorrir? Quem mandou aqueles caras perceberem meu sorriso? Quem me mandou enfiar o copo no ombro dele? Devia ter recebido as pancadas na minha, já tava fodido mesmo. Foda-se! Foda...

Eu passei dezoito dias em coma. Dezoito! E ela passou quatro deles lá, no hospital. Mal comeu, enquanto eu comia por tubos. A enfermeira gostosa disse que ela simplesmente acordava, e ficava sentada do meu lado, até dar sono, e dormir por mais umas quatro, cinco horas. Pra acordar e ficar de novo. Comer um sanduiche por dia, com um copo de "mangaranja", que era um suco de manga com laranja (duuh, óbvio) que serviam na lanchonete. E depois, ir embora? Putz! Que não ficasse NENHUM dia! NENHUM! Que não sentasse ao meu lado, que comesse até estourar, que se destruisse em bebidas e sexo e drogas, quanto eu agonizava (ou não, tava em coma)! Mas ficasse comigo pra sempre. Estivesse aqui quando eu acordasse.

Mas ela não estava. Os girassóis azuis não estavam. O céu, rosa, azul, laranja e branco não estava. As zebras, os palhaços e malabaristas não estavam. As roupas, uma mistura de retrô, de medieval, com futurista, cheio de cores. Nada disso estava. Apenas a sensação de ressaca, que todo dia, mesmo sem beber, eu tinha. Apenas o pressentimento de que eu talvez não tivesse vontade de acordar no dia seguinte. Apenas o medo de levar outro tiro cada vez que eu descia pra fazer compras (no mercadinho ao lado do bar). As maçãs, a camisa que ela usara. O cigarro, que joguei pela janela. Eu tinha medo, eu tinha saudade.

O cara morreu. Os guris daqui do prédio o espancaram, mas não até à morte. Não, disso se encarregaram meus amigos de bar. Alguns até conheciam o cara, mas eu os imagino dizendo "foi mal aí, Gervásio (ou whatever it is o nome dele), mas tu mexeu com o considerado da galera" ou "mermão, tu não devia se meter com a turma que mora por aqui" ou suas variantes. Foi encontrado boiando no rio mais conhecido da cidade, com buracos de bala, faca, marcas de linchamento. O amigo foi encontrado, pois era o dono da arma. O amigo em quem enfiei o copo. Foragido, o pilantra. Tentou correr da polícia e virou peneira. Putz. Eu sou amaldiçoado. E quem se mete comigo também, pelo visto.

Foda, isso.

Um comentário:

  1. Finalmente li o fim dessa história.
    Urbano e profundo, lembra??
    Não, não lembra...
    Recolho- me a minha insignificância.
    Desejo-lhe finais felizes.
    cafecomaspirinas.blogspot.com

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