quinta-feira, agosto 23, 2007

A Verdadeira História VII


Barulho de vidro despedaçando. De onde...? A porta da varanda. Meu peito sangrava muito, e aparentemente, a bala varou o meu corpo, atingindo a varanda. Ela gritara. Acordei com aquele rosto lindo chorando em cima de mim. Doía pra caralho, putamerda! A gente sempre pensa que essas dores muito fuderosas a mente não registra, e por isso é como se não doesse. O cacete que não! Só que mesmo assim eu tava tranqüilo. Seus olhos. Nem o barulho, nem a dor, nem o desmaio fizeram os seus olhos desaparecerem. Ainda estava em meu mundo. Ela ainda estava em meu mundo.

Os vizinhos chegaram, Dona Amália chorava, gritava que eu era jovem demais. Antecipando mesmo, a velha queria que eu morresse? Putz! O porteiro apareceu com um médico que tinha se mudado recentemente. Ela não soltava minha mão, apesar das constantes advertências do médico. Uma pessoa que eu nunca vira ligava pra emergência. Putamerda, que dor. Mas eu não esperei, foda-se a emergência. Eu me levantei, mesmo o médico tentando impedir. Mesmo a visão turvando, ficando escuro (e vermelho, juro, parecia sangue nos olhos), me levantei e fui ao corredor. Os adolescentes da academia, que moravam no meu andar, espancavam o cara na porta do elevador. Ele já estava inconsciente, mas batiam nele mesmo assim. Putz, é bom ser querido.

Encostei na parede, e acendi um cigarro. Dona Amália veio tentando tirá-lo de mim, mas eu disse que tava bem. Engraçado isso. O médico disse que meu corpo cauterizou o ferimento, e que provavelmente não tinha atingido nenhum órgão vital. Mas tava doendo pra caralho. A ambulância chegou. Fomos eu, o médico e Ela. Ela ficava calada, olhando pro ferimento, mas não pro meu rosto. Eu não conseguia mais falar, nem ouvir nada. O som tava abafado, e as luzes estavam estranhas. Eu me senti morrendo. E eu tava, acho! Mas aí ela se abaixou e me beijou. E putamerda, ela dormiu com a cabeça no meu peito, em cima do sangue. Dormiu mesmo, escutei um leve ronco. Aí eu desmaiei.

Tive uns sonhos estranhos, senti dor. Um macaco de batina usava uma serra elétrica em meu peito. E ela estava lá, rindo...Ou chorando, sei lá. Mas ela gritava, apontava pra mim. Médico e enfermeiros tomavam whisky, enquanto o macaco gritava "mais endorfina, mais endorfina" com uma voz meio símia! Como eu sei que era símia? Whatever. E aí vinha um porco e com as mãos (ele tinha 3 dedos em cada), abria um buraco em meu braço e vomitava algo dentro. Eu me sentia ligadão. Depois o escuro. Me senti mesmo no escuro, e escutava vozes. "Provavelmente das pessoas conversando em meu quarto", pensei. Mas diferente dos filmes, eu não discernia as palavras. Só sabia o significado: Talvez eu não saísse daquela. E também reclamavam de terem deixado eu fumar, ora! O que poderia acontecer? Sair fumaça pelo buraco da bala?

- Ora, finalmente! - A enfermeira parecia tirada de um seriado de estereótipos. Boazuda mesmo.
- Hmmm, olá. Bonitos olhos.
- Mas veja! Um piadista! Então, como está se sentindo?
- Incrível. Você não faz idéia... Que dia é hoje?
- 24 de setembro. Você passou 18 dias em coma.

Não consegui falar. Só então percebi que o meu mundo tinha ido embora. E Ela também.

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