terça-feira, novembro 30, 2021

Aprovação

Eu tenho duas garrafas de whisky. Uma foi um presente. Caro. Um presente de alguém que eu enxergo como uma figura paterna. Alguém de quem estou incessante e frequentemente buscando aprovação. Alguém que reconheço como, em diversos aspectos, um exemplo de como eu deveria ser. Alguém que me tomou como aprendiz, me tomou como fiel escudeiro. Meu líder.

Ao menos é assim que vejo.

Talvez não seja, talvez apenas eu enxergue desta forma. Talvez apenas eu veja a figura quase paterna - embora poucos anos mais velho que eu, quem sabe um irmão mais velho - e ninguém mais.

O que importa é que eu tenho esta garrafa de whisky. Ela é cara, é especial. Ela, pra mim, representa a valorização de quem sou. O reconhecimento de que sou especial.

Nunca tive este reconhecimento do meu pai. Ou de outras pessoas de quem busquei aprovação.

Vem ao caso? Dificilmente. Mentira. Certamente.

O que importa é que

é

um

presente.

E estou relutante. Estou drogado, em plena terça-feira. Relutantemente tenho poucas opções de continuar nesta experiência de embriaguez. Estou relutante em...

Pois tenho duas garrafas de whisky. A primeira, barata, é minha. Minha escolha. Minhas dores. Ela representa os momentos em que fiz... más escolhas para minha vida.

Porém eu acabei de finalizá-la. Terminei. Acabei de dar o último gole enquanto regurgitava estas palavras.

A garrafa que sobra é o presente. A cara. A especial. O presente de alguém que escolhi para representar meu reconhecimento. Não é a garrafa que é o reconhecimento. É a pessoa.

Um irmão mais velho. Menos que um pai. Mais do que eu.

Alguém que me ensina diariamente como me aprimorar. Mas que me escraviza dia após dia após dia com este mesmo pretexto.

Eu tenho duas garrafas de whisky. Uma especial, um presente. Um reconhecimento por serviços prestados. E em meu coração, um cuidado de um irmão mais velho. Um role-model. A outra? Barata, fraca e triste.

Eu acabei a garrafa barata.

- Quando eu tinha 20 anos, me graduei na universidade. Meu presente não veio do meu pai. Meu irmão mais velho me deu - enquanto o meu pai ainda era vivo uma garrafa de whisky. Johnnie Walker Double Black Label.

Eu descobri pouco tempo depois que foi a mesma garrafa que meu pai deu a ele em sua formatura.

Sim. Meu pai deu a meu irmão mais velho uma garrafa cara de whisky. Meu irmão nunca a consumiu. Quatro anos depois este mesmo irmão a deu a mim.

Eu não sabia. Não sabia a procedência. Não imaginava que era um presente de segunda mão (porém que vinda do meu irmão, e não do meu pai, tenha infinitamente mais significado, obrigado do fundo de meu âmago). Daquele pai que jamais me valorizou. Jamais me reconheceu como alguém de sua estirpe. Embora eu seja, hoje

plena

definição

de

sua

maldade

e

malandragem.

Meu irmão mais velho é praticamente um monge. A pessoa mais altruísta e generosa que já conheci.

E eu, um fraco, um trapo?

Sou a exata cópia do homem que jamais me valorizou. Mas que tinha um sorriso maléfico como o meu.




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Hoje vejo que talvez meu pai valorizasse tanto e tanto e tanto meu irmão quatro anos mais velho pelo simples fato dele não ser nem um pouco similar. De serem tão distantes. Quase que como um reconhecimento de que ele escapou de ser ruim. Malandro. Carismático porém daninho. Atraente porém nóxio. Admirado

porém

reconhecidamente

perverso.

Meu irmão representa o oposto da perversidade do meu pai.

E talvez por isso meu pai nunca me favoreceu ou valorizou.

E por isso eu seja tão parecido com ele. O que veio primeiro? Seu não-reconhecimento por eu ser sua cópia? Ou meu plágio por causa de seu desprezo?

E talvez por isso eu busque, hoje, o reconhecimento de alguém que é visivelmente melhor. Mais generoso. Mais altruísta. Mais humano.

Mas

que ainda assim

me presenteia

com a garrafa

de um whisky caro.

Garrafa esta

cuja tampa

neste momento

desenrosco.

terça-feira, novembro 23, 2021

Aries

 Essa história não é minha.

Mas vou contá-la mesmo assim.

Imagine uma cidade quasi-fantasma. Sim, ela estava à beira do éter. E o nosso destemido protagonista vivia na taverna. 

Nossa, mas não seria possível ser ainda mais clichê?

- não me desafie. Claro que seria. Mas estou sendo parcimonioso aqui.

Então nosso destemido protagonista acorda. De um pesadelo. Encharcado, suando, só de calças e botas, sem camisa, amaldiçoando os céus pelo pelo pesadelo. A mão? Segurando a arma. O som? De rabecas em mi denotando o início da manhã.

Após oito segundos percebe estar longe de casa. 

E aqui abrimos parênteses: nenhuma história de dor, nostalgia e sentimento de verdade envolve a proximidade de casa. Do afeto. Da segurança.

Consequentemente nosso protagonista - nosso herói - percebe estar longe. E isso não é uma surpresa. 

Percebe também que descendo ao salon todos o encaram com um misto de reverência e desprezo.

Natural, não é? Acostumado. 

Em verdade essa é a reação que sempre busquei. Ame-me. Despreze-me. Mas jamais ignore-me.

Nosso herói atravessa a rua em frente ao salon. Encara a porta da estalagem.

Uma placa balança.

É difícil de entendê-la. 

O herói puxa a colt. Em menos de 1 segundo dispara. A placa para de balançar por poucos milésimos de segundo e exibe por ainda menos tempo o seu nome:

Áries.

A luz do sol. A capa da chuva. O clarão do relâmpago. A tênue iluminação daquilo que chamamos de lua. 

Nada parece iluminar tanto quanto q resposta de nosso herói:

Seu.