segunda-feira, abril 26, 2021

Mais rápidos que fugir

 Pelo visto não foi suficiente baixar a cabeça. Se enterrar na areia. Por mais que a gente tente, é comum se entregar. Se entregar.

A gente aprende a não demonstrar fragilidade. No deserto, aprendemos a não entregar nossa posição. Especialmente se

uma

coluna

de

poeira

sobe

ao sul.

E aí a gente fica sem saber se existe, se vai doer. Não, a gente aprende apenas a sobreviver. Não a viver através das colunas de poeira que vem do sul.

Mas elas sempre chegam. Trazendo dor. Trazendo necessidades. Urgências. Fisiologia, né?

E aí somos pegos com as calças curtas. Somos descobertos com a cabeça na areia, mas todo o resto à vista. Pois jamais aprendemos a nos esconder de verdade. Só nos iludimos sobre como nos esconder sob a verdade.

De certa feita, já neste deserto, houve um diálogo:

- Sou sozinha.

- Também sou.

- Me basto assim.

- E eu a mim.

- Mas descobri...

- Acho que também...

- Que talvez me soe bem me proteger...

- ...junto de alguém? Concordo.

Mais uma vez, dois iludidos. Dois se escondendo sob a dor um do outro. E somente quando um reconhecer sua dor poderá entender - e ajudar com - a do outro. Até lá, um servirá apenas para entregar sua posição.

Para aqueles que vem na coluna de poeira vinda do sul. Que só querem o mal.

Foi quando ela, triste, desesperada, descobriu que ao se entregar a algo que nem existia - nem era real - apenas entregou sua posição.

E a coluna de poeira chegou.

Do sul.

E nada de bom aconteceu desde então.

Não quero mais sentir

Eu não quero mais sentir n a d a .

É mais fácil continuar caindo, em direção ao abismo. Em direção ao n a d a .

O vazio de todos os amanhãs, e eu sigo me sentindo assombrado pelo seu fantasma. Conscientemente evitando m u d a n ç a s.

Deixando de lado, uma hora acontece:

o

luto

lugar

para

a

tristeza.

E eu lembrarei de você. Como algo que doeu, como algo que senti. Ao menos senti. Ou quis?

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Não é, não devia, não devia ser assim. Só queria não ter errado de novo. Menos ainda com outra pessoa. Mas acho que errei desde quando te quis comigo sem eu - eu mesmo - estar. Foi injusto. É injusto. Eu busco nos outros o que falta em mim.

"O que é a solidão? A falta do outro ou o excesso de mim?""

Ai, Maria Flora, você deixou de lado o mais importante: o excesso do outro sob a falta de mim. E o excesso de mim sobreposto ao outro. E aí sempre dá no que deu: ruim.

Eu devia ter entendido, eu devia ter me preparado. Eu devia ter afastado todo mundo que acha que pode se aproximar de mim sem correr os riscos.

B I O H A Z A R D ☠️

Não te aproxima. Não chega perto. Nada de bom existe na proximidade de material radiativo.

é

que

sou.

Assim como aquela areia: Amarela. Distorcida. Doente. Visivelmente prejudicial.

Este sou eu. E é por isso que, em 2789, sigo vivo. Me agarrando na areia. Refestelando-me sob as dunas. E emergindo com o fino pó entremeado em meus cabelos.

Pois mais que aquela areia, sou eu o mais radiativo. 

Mas a coluna de poeira continua a subir ao sul. Minha hora de enfrentá-la.

Tudo me indica que sairei vitorioso, sejam quem forem.

Podem vir. Estou preparado. Endurecido. Carreau ao meu lado.