Dress in black now, show everyone your grief
Well, I'm gone now, you can all feel relief
O relógio batia oito vezes. Oito da noite, após um dia quente, movimentado, cheio. A mina, àquelas horas, parecia em paz. Quase todos haviam subido à superfície, trocando a fuligem de seus pulmões pelo
mais
puro
oxigênio.
Mas não ele. Não ele. Ele continuou. Picando a fria rocha em busca do - ainda mais - frio minério. Persistente, ele diria. Teimoso, diriam os outros.
A verdade é que aquela mina já estava esgotada. Nasceu esgotada. Pequenos minérios com menos valor do que um níquel foram encontrados e, para muitos - como para ele - era uma promessa de mais. De riquezas. Tesouros. Quem sabe até...
Na oitava badalada, decidiu subir.
Mas diferente dos outros, a fuligem não foi substituída pelo ar puro da noite, não, não, jamais. Sentiu seus pulmões afogando, inebriando-se na mais salgada água do mar. Água salgada era tudo que respirava.
O elevador parou, removeu o capacete. Apagou a lanterna. Encaixou a picareta no último espaço vazio do descanso. Não, não eram quase todos. Eram todos. Ele era o último.
Foi o último a perceber que não haviam mais riquezas para se extrair, não existiam tesouros. Nunca houveram. Persistente, diria ele.
A mina estava abandonada. Nascera abandonada.
Caminhou pela estrada de barro, durante milhas e milhas. Ouviu doze badaladas e ainda estava
longe
de
casa.
O que fez nas últimas quatro horas? Caminhou pela estrada de barro inebriando-se em nada mais do que a mais salgada água do mar.
A varanda era pouco convidativa. Mas para ele era um lar.
Sentou-se no banco de balanço, uma lâmpada incandescente zumbindo sobre sua cabeça. A lua, ao longe, estava cheia.
Propício.
Ao lado do banco, uma garrafa de moonshine pela metade, destampada. Destemperada. Pegou-a, os olhos marejando. O gosto do uísque caseiro era doce... especialmente em comparação com a mais salgada água do mar que lhe enchia os olhos, bochecha, lábios e língua.
Lembrou-se que não conhecia o mar. Mas conhecia, ah, como conhecia, a água salgada que agora enchia-lhe os pulmões e a língua. E os olhos.
No quinto gole esqueceu do sabor da água do mar, como sempre acontecia depois do quinto ou sexto gole.
Piscando os olhos, viu o dia claro. Viu o sol a brilhar com a força de um milhão de lanternas de capacete de mineiro. Viu as poucas e belas nuvens formarem pareidolias visíveis e reconhecíveis no quadro azul que era o céu.
Baixou os olhos e viu sua encantadora e vigorosa esposa correndo pelo gramado do pátio, vestido branco com diversas camadas. Os três cachorros arfavam e latiam, correndo com ela, em uma demonstração frenética de regozijo e alegria.
Ela levantava as anáguas para correr com eles, selvagem, confortável, aberta. O sol brilhava mais do que um milhão de lanternas de capacete de mineiro. Seu sorriso brilhava mais do que o sol. Repentinamente parando de correr, levanta os olhos em direção à varanda da casa, ainda sorrindo. Por incrível que pareça, conseguiu sorrir ainda mais e mais forte e mais brilhoso e mais luminoso e mais selvagem e mais entusiasmada. Transbordando encanto.
Mas não, não era para o mineiro. O sorriso se dirigia a poucos metros à direita, dirigia-se à porta da casa. Que estava aberta.
Em poucos segundos duas crianças saem correndo, gritando - aquele grito agudo de criança que, apesar de todas as probabilidades, não incomoda. Pelo contrário, estimula.
As crianças descem os poucos degraus da varanda ao pátio gramado. Uma delas tropeça mas, por ser criança, ainda não aprendeu a desistir no primeiro tropeço.
Ali, ele quis que aquela criança jamais crescesse, jamais aprendesse. Nunca desenvolvesse a habilidade de ser derrotada ao primeiro tropeço, como ele desenvolveu.
A primeira criança, a que não caiu, abraça-se a um dos cachorros. A segunda, ao levantar-se - joelho sangrando - segue em frente, correndo, uma demonstração de resiliência e determinação a
abraçar-se
com
sua
mãe.
A mãe a recebe com um sorriso ainda - como se ignorando as leis da física e da anatomia - maior e mais radiante. O abraço seria descrito pelos filósofos como o momento da criação do universo. Pena que os filósofos não observam esposas de mineiros e suas crianças.
Enquanto ergue a criança no ar, contra a luz do sol, e enquanto aqueles dois sorrisos sublimes e divinos se encontram e dão origem a incontáveis novas estrelas que veríamos na próxima noite, ela baixa mais uma vez os olhos e encontra os do cansado mineiro.
O encontro de olhares esquenta mais que o encontro de milhões de vulcões com bilhões de estrelas em combustão.
Após o que parecem horas de encontro entre olhares e sorrisos, o mineiro enfim pisca.
E a garrafa vazia escapa de sua mão, caindo em câmera lenta até bater no chão de madeira. A lua, cheia, ainda sobe nos céus e o mineiro, sozinho, volta a sentir-se inebriado pela mais salgada água do mar.
Que lhe enchia os olhos, bochecha, lábios e língua.
Fuligem nos pulmões
Calos nas mãos
Água do mar nos olhos
Só lhe falta o coração.
Desisto, pensa o mineiro
Nunca mais tentarei
Esta mina se esgotou
Ou fui eu que me esgotei?
O gosto do uísque
Confunde o sabor
Da água do mar
Lhe distrai da dor
As paredes de fogo
Não parecem aquecer
Mas sinto-me em casa
Paraíso para quê?
No pátio gramado
Simulo alegrias
Eu procuro fantasmas
Mas só encontro fobias.
Ao fim do meu sonho
Eu pretendo saber
Se sou eu o quebrado
Ou se um dia inteiro vou ser.
As paredes de fogo
Não parecem aquecer
Mas sinto-me em casa
Paraíso para quê?
Por poucos momentos
Tento me enganar
Tentando esquecer
Que jamais será.
As paredes de fogo
Não parecem aquecer
Mas sinto-me em casa
Paraíso para quê?
E então me recolho
com resignação
A noite acabou
Mas a próxima não.
As paredes de fogo
Não parecem aquecer
Mas sinto-me em casa
Paraíso para quê?
E então me recolho
com resignação
A noite acabou
Mas a próxima não.