terça-feira, fevereiro 26, 2008

Três.

É simples demais. Ela sai do banho, vai em direção ao espelho, mas não se olha. Não, não o todo. Ela olha os detalhes: checa a maquiagem, coloca sutilmente lápis sob os olhos, os brincos corretos, o piercing, o cabelo. Odeia o cabelo. Tenta dar um jeito, põe uma tiara, uma piranha. Odeia o cabelo. Solta tudo e vai assim mesmo.

Tira a toalha e liga o som. Dança um pouco, nua, no quarto, sozinha. Mas a janela continua aberta. Vai então ao guarda-roupa. Displicente, nem presta atenção no que tira. Faz parte do ritual. Uma calça jeans e uma blusa branca, básica, baby-look. Apenas de calça, passa a música. Prefere a três.

Põe o sutiã e calça o all-star. Vermelho e sujo, bem sujo. Então, vestida assim, de jeans, sutiã e all-star, volta ao espelho. Mexe novamente no cabelo, e decide prender num rabo-de-cavalo. There. There you go, girl. Põe a blusa, e acha que ela ficaria legal com uma camisa por fora... Mas não veste. Pode ficar calor.

Ele buzina às dezoito. Ela pula, entusiasmada! Louca pra ver o fusca novo! Ele falou sobre esse carro a semana inteira, enquanto tentava seduzi-la. Hah, não sabia ele que ela é que o estava seduzindo. Sem querer, claro.

'Xa explicar: É sempre assim. Ela conhece o cara, na rua, numa festa. Sempre um amigo duma amiga. Um amigo dum amigo, tanto faz. Se interessa, mas não faz nada. Não cria nada - é sempre assim. E aí, eles se encontram em outro ambiente, em outra atmosfera... E começam a conversar. Quando ela adquire cemporcento de certeza sobre o interesse dele... Ela aprofunda o modus operandi.

Ela insinua, ela provoca. Ela o traz a seu mundo. E procura compreender o dele. Regado a lascívia e romance, ela o torna seu. Descobre seus desejos e os cumpre. Seus medos e os teme. Depois os enfrenta. É quando as atmosferas se fundem de vez, e ela descobre que ele é mesmo seu. O trabalho agora é exigir os espólios. Ela vencera novamente.

Ela continua a cumprir os desejos dele, e temer seus medos. E enfrentá-los. Desejos e medos. Depois ela joga fora.

Mas não hoje. Hoje ela desce as escadas, e ao vê-lo em frente ao fusca, bonito, trabalhado, ela vibra. "Ele fica tão lindo assim, feliz por ter conseguido esse carro", pensa. "Gosto tanto dele".

E é verdade.

"Meu Amigo, não queria que acreditasses no que digo nem confiasses no que faço – pois minhas palavras são teus próprios pensamentos em articulação e meus feitos, tuas próprias esperanças em ação."
~ Gibran

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