sábado, fevereiro 09, 2008

Sub-real.

Ao acordar, olhei para o relógio do lado da cama: sete da noite. Não lembrava de nada que tinha acontecido nas oito horas anteriores a isso, quando há nove, estava tomando café com uns recém-conhecidos, no centro. Acha isso estranho? Imagina quando eu percebi que não era o meu relógio? Nem minha cama?

Tive medo. Várias histórias, lendas urbanas sobre gente que é drogada, levada para hotéis e perdem os rins ou algo do gênero. Olhei por todo o meu corpo, e pra um breve e pequeno alívio, estava inteiro. Fui ao espelho pra conferir o resto, e percebi que não estava mal, apesar das olheiras, mais profundas e escuras do que jamais tivesse visto sob meus olhos.

Tratei de me vestir rapidamente, e corri para o lado de fora. Na sala, apesar do escuro e do frio, tudo parecia normal, mas irreconhecível. Nunca pisara naquela casa. Ou seria apartamento? Antes de sair, deduzi que estivesse vazio, e preocupadíssimo, fui à cozinha.

FUI AO BAR, MAS VOLTO JÁ.

ME ESPERA.

A ausência do imperativo no bilhete pregado na geladeira me tranqüilizou um pouco mais, mas decidi não "esperar". Corri pra fora do apartamento, e desci as escadas. Desci doze andares antes de esbarrar com uma mulher estranha, bastante pálida e com olheiras piores que as minhas. À luz intermitente e branca da escadaria ela se tornava preocupante, embora não assustadora. Era inofensiva, achei, e aparentemente, se assustou mais comigo que eu com ela. Sua expressão de surpresa ao me ver deixou-me intrigado.

"Licença", e continuei a correr descendo, mais dois andares, até atingir um belíssimo e barroco hall, cheio de espelhos, luminárias (quebradas) ornamentadas, e anjos e santos de madeira pintados de dourado. A tinta descascava e o ambiente estava pouquíssimo iluminado, mas eu percebi. Eram todos pintados de dourado. Percebi também que na guarita da portaria não havia um porteiro. Bem, o portão estava aberto, então, sem hesitar, corri até o fim da rua, sem nem fechá-lo.

Já escurecera, mas a rua estava movimentada. Bares abertos, pessoas entrando e saindo, assim como das lojas e lanchonetes. Percebi que continuava no centro, embora muito longe do lugar onde eu estava tomando café, há... meu deus, onze horas! Duas horas se passaram. Desde que acordei e me dei conta. Conta de quê? do bar? Meu deus novamente! O bar! Ele poderia estar em qualquer um destes bares, meu captor. Me observando e percebendo que não segui sua recomendação:

ME ESPERA.

O que faria para me punir? Podia ser qualquer um deles. Daqueles bares, das lanchonetes. Me puniria por ter saído, por não ter esperado. Corri o mais rápido que pude, parei o mínimo que consegui - mesmo assim foram muitas vezes. O cigarro, sabe? Corri até ficar num ambiente que conhecia vagamente, algumas ruas pouco movimentadas do bairro velho, no centro. Aí não aguentei. Sentei em uma barraca onde vendiam bebidas e pedi um refrigerante. Uma coca cola.

De repente, as poucas pessoas que estavam na rua começaram a andar, assustadas. Andaram rápido, os putos. Com medo, olhando para trás. Resolvi olhar também, para o fim da rua, e vi vários marginais, não destes que moram nas ruas, eles mais pareciam ter saído de um filme repleto de morros, traficantes e capangas, com roupas da moda de camelô, cabelos pintados e bonés roubados.

Eles não corriam, mas não precisavam. Sua presença, seus sorrisos maldosos, suas piadas e gargalhadas indicavam suas intenções. E assustavam. Mais de dez. O dono da barraca me aconselhou a correr também pois ele iria fechar e se trancar lá dentro, mas antes que eu pudesse me levantar do banco, percebi que não estava enxergando direito. Não enxergava mesmo, apenas as luzes e vultos desfocados. Embaçados.

- Sabe a sensação de quando você acorda depois de uma farra onde, gripado, tomou todas, fumou todos, e dormiu por doze horas seguidas? Os olhos despertam cheios de secreções, úmidos, irritados, cansados, como que com conjutivite? Era isso, mas pior. Bem pior. Eu não enxergava mais os bandidos, nem o dono da barraca. Só via um espectro de luz emitido pelas lâmpadas fluorescentes daquelas compridas, atrás das bebidas. E ouvia as gargalhadas.

Quando decidi sair dali, percebi que não era apenas mal-estar e vista prejudicada. Não conseguia andar também. Presumi que poderia correr para fora da rua, e entrar numa perpendicular que sabia estar movimentada e segura, mas depois de uns três passos cambaleantes e errôneos, fui perdendo as forças nas pernas. Caí lentamente, joelho por joelho, sentindo o peso de vinte elefantes em minha cabeça, em cima de mim. Deitei com a bochecha no chão, sentindo a rala areia por sobre os paralelepípedos entrar em minha boca. E as gargalhadas aumentaram, aumentaram, ficando mais próximas.

Até hoje não sei o que aconteceu depois.

5 comentários:

  1. Aposto que eles te comeram :(

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  2. Anônimo8:12 PM

    minhas as palavras de Hugo...

    =(

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  3. Anônimo12:52 AM

    "FUI AO BAR, MAS VOLTO JÁ.

    ME ESPERA."

    A falta do imperativo foi para criar um clima de cordialidade...

    A senhorita deve ter lhe drogado, pois possui uma fantasia sexual... uma lance meio: Necrofilia... um desejo oriundo do meio represivo que ela vivia dentro de suas vivências diárias e da ânsia incontrolável pela quebra de pardigmas e imposições... pela necessidade de quebrar correntes... e em vc ela encontrou a irradiação de paz e luta, frieza e doçura! mas te matar: não! Ela gosta de vc... não teria coragem...
    Então: te drogou, esperava te encontrar desmaiado ao voltar.

    Ela não sabia se a droga ia demorar a fazer efeito, não sabia se vc ainda iria acordar, mas ela não queria que a visse(por isso desceu as escadas e ficou quieta, esperando que o tempo passasse... ele não queria q vc acordasse, mas caso sim... pelo menos que visse o bilhete e a espera-se, seria o tempo da droga fazer efeito...) não queria que soubesse que ela tiha tesão por vc, afinal: vcs nunca haviam se falado, ela já tinha o visto, já o admirava à distância e encontrá-lo na noite anterior completamente bêbado, jogado no chão em pleno Recife Antigo depois de descobrir que seus pais haviam lhe cortado os cartões de crédito... ahhhhhh meu filho, ela não teve dúvida: Vou me libertar!

    Te colocou no banco traseiro do carro e lhe levou ao apartamento...

    Mas vc estragou tudo: acordou e foi embora!
    Veja só: vc rompeu com o ritual de libertação da maluca... vc foi muito mal garoto!

    Sabe o lance lá dos caras vindo em sua direção e gritando e com cara de marginais de morro.
    Surpresa: era tudo lombra sua!

    Sabe a senhorita: vc sabe que ela é!

    "mulher estranha, bastante pálida e com olheiras piores que as minhas."

    Lembra...

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