sexta-feira, fevereiro 08, 2008

À Igreja.

Ela decidiu então, entrar descer pelos degraus da margem. A maré estava baixa, eles poderiam se esconder embaixo da ponte, enquanto as coisas esfriavam. Que entendia ela de maré? Puxou-o pelo braço, que segurava desde o começo da fuga, e gritou "aqui", pra que a seguisse. Ele seguiu.

Quando chegaram embaixo da ponte de concreto, ouviram as sirenes. Os fogos... Ou seriam balas de borracha? A gritaria aumentara, enquanto o carro-de-som cessara. "Já tá anoitecendo", disse, mas ele continuava ofegante. Balas de borracha doem, mesmo por sobre tecido grosso da jaqueta. Ela não tinha levado nenhuma, mas um estilhaço duma das bombas atingira seu braço. Sangrava um pouco.

Ele desamarrou o lenço do joelho - meramente estético -, e com ele estancou a ferida da moça. De repente, o telefone vibra, e ele vê que era um dos camaradas. Depois de alguns monossílabos, desliga, e conta pra ela. O pessoal estava detido em frente à igreja.

- Temos que ir lá, mas não vestidos assim.

Juntando o suspensório com a jaqueta, formam uma bolsa. Guardam algibeiras, braceletes, spikes, colares. Enquanto ela pendura a bolsa improvisada numa saliência da ponte, ele cobre a cabeça raspada dela com um boné. Estão menos extravagantes, o que é apenas um eufemismo considerando o visual anterior. As sirenes não param, mas isso não os impede. Se levantam e começam a galgar de volta à rua.

Ele sobe primeiro, e a ajuda a subir o resto. Estavam longe dos degraus. Quando ela vê a cabeça dele cair um pouco para o lado enquanto os olhos reviravam, é tarde demais. A mão dele afrouxava, e ela voltava a cair na lama da margem do rio, enquanto a maré lentamente subia. Olhando de volta pra cima, ela vê as luzes da sirene, e o braço dele desaparece da margem, pra que depois ela veja o corpo inteiro sendo erguido por quatro policiais, completamente de preto.

Quando consegue subir pelos degraus, ela vê as manchas de sangue no chão, e a viatura saindo lentamente do espaço onde estava há poucos minutos. Mas o carro não avança muitos metros. Um módulo é arremessado de cima do prédio abandonado, e, caindo bem em cima do teto, instantaneamente explode. Um Coquetel Molotov. Apenas os quatro policiais deixam o carro e correm pra dentro do prédio. Ela não o vê saindo da viatura em chamas. Corre para ajudá-lo, e de frente para a porta, o vê ainda desacordado, e algemado.

Na escada do prédio, os dois garotos arremessam móveis velhos e tijolos quebrados nos policiais, que irropem com fúria sobre eles. Infelizmente para os militares, mais jovens continuam subindo a escada, e eles logo se vêem cercados.

Na entrada do prédio, jovens ensagüentados ajudam a garota a retirar o jovem, já consciente, de dentro do carro.

Seguem todos rumo à igreja, onde os outros estão detidos.

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