quinta-feira, fevereiro 28, 2008

Quatro.

Hoje seria o último dia, e ela estava mais que satisfeita. Quatro anos, mais impostos. Impostos, mesmo. Ela não queria ter que passar aqueles três meses de greve. Mas conta como quatro anos, só. Pra que servem as férias? Era o último dia de aula, e ela nunca mais teria que entrar ali novamente. Talvez mais uma ou duas vezes. Se formara, e não fizera amizade com ninguém de sua turma.

Desde que entrou, se esquivava de todas as tentativas dos colegas. Sentava só, no canto da sala. Fazia trabalhos individuais, e quando obrigada, sequer trocava mais palavras que as necessárias para o cumprimento correto da tarefa. Ir a festas da turma era fora de cogitação, e comemorações, jamais. Assim que o professor encerrava a aula, ia direto pra parada de ônibus em outra avenida, pra não correr o risco de pegar o mesmo ônibus que algum colega.

Faltavam poucos minutos para o fim da "aula da saudade". Os professores falaram, falaram e ela não prestara atenção. Não, em vez disso, analisou cada um dos colegas de turma. Pensou nas amizades que teria perdido, nos bons momentos que jamais vivera, ou viveria. Conversas, confissões. Pensou que alguns poderiam vir a ser seus amigos de verdade. Talvez um melhor amigo.

Talvez um namorado, ou namorada. Talvez um marido. Uma amante. Alguém, ou algumas dessas pessoas teriam sido especiais. Se ela deixasse.

Então ela percebeu que poucos olhavam para os professores também. A maioria olhava pra ela. Pensavam a mesma coisa?


"Não podes compreender meus pensamentos, filhos do mar, nem eu gostaria que compreendesses. Gostaria de estar sozinho no mar"
~ Gibran

terça-feira, fevereiro 26, 2008

Três.

É simples demais. Ela sai do banho, vai em direção ao espelho, mas não se olha. Não, não o todo. Ela olha os detalhes: checa a maquiagem, coloca sutilmente lápis sob os olhos, os brincos corretos, o piercing, o cabelo. Odeia o cabelo. Tenta dar um jeito, põe uma tiara, uma piranha. Odeia o cabelo. Solta tudo e vai assim mesmo.

Tira a toalha e liga o som. Dança um pouco, nua, no quarto, sozinha. Mas a janela continua aberta. Vai então ao guarda-roupa. Displicente, nem presta atenção no que tira. Faz parte do ritual. Uma calça jeans e uma blusa branca, básica, baby-look. Apenas de calça, passa a música. Prefere a três.

Põe o sutiã e calça o all-star. Vermelho e sujo, bem sujo. Então, vestida assim, de jeans, sutiã e all-star, volta ao espelho. Mexe novamente no cabelo, e decide prender num rabo-de-cavalo. There. There you go, girl. Põe a blusa, e acha que ela ficaria legal com uma camisa por fora... Mas não veste. Pode ficar calor.

Ele buzina às dezoito. Ela pula, entusiasmada! Louca pra ver o fusca novo! Ele falou sobre esse carro a semana inteira, enquanto tentava seduzi-la. Hah, não sabia ele que ela é que o estava seduzindo. Sem querer, claro.

'Xa explicar: É sempre assim. Ela conhece o cara, na rua, numa festa. Sempre um amigo duma amiga. Um amigo dum amigo, tanto faz. Se interessa, mas não faz nada. Não cria nada - é sempre assim. E aí, eles se encontram em outro ambiente, em outra atmosfera... E começam a conversar. Quando ela adquire cemporcento de certeza sobre o interesse dele... Ela aprofunda o modus operandi.

Ela insinua, ela provoca. Ela o traz a seu mundo. E procura compreender o dele. Regado a lascívia e romance, ela o torna seu. Descobre seus desejos e os cumpre. Seus medos e os teme. Depois os enfrenta. É quando as atmosferas se fundem de vez, e ela descobre que ele é mesmo seu. O trabalho agora é exigir os espólios. Ela vencera novamente.

Ela continua a cumprir os desejos dele, e temer seus medos. E enfrentá-los. Desejos e medos. Depois ela joga fora.

Mas não hoje. Hoje ela desce as escadas, e ao vê-lo em frente ao fusca, bonito, trabalhado, ela vibra. "Ele fica tão lindo assim, feliz por ter conseguido esse carro", pensa. "Gosto tanto dele".

E é verdade.

"Meu Amigo, não queria que acreditasses no que digo nem confiasses no que faço – pois minhas palavras são teus próprios pensamentos em articulação e meus feitos, tuas próprias esperanças em ação."
~ Gibran

quinta-feira, fevereiro 21, 2008

Dois.

- MÃE, me diz de novo o porquê.

Em mais ou menos vinte e quatro horas, essa era a décima quinta ou décima sexta vez que ela perguntava isso. "Papai do céu o queria perto dele, filha". Era essa a resposta que a mãe, sem nunca cansar de dar, repetia sempre. Talvez por que respondesse a si mesma.

Câncer. Não, não foi disso que ele morreu. Era o apelido dele. Ele fumava horrores, e o cigarro o matou. Não, não foi câncer ou alguma outra doença relacionada ao cigarro. Ou drogas. Um homem lhe pediu um cigarro, e ele deu. Mas o homem desconfiou de sua boa-vontade e enfiou dezoito balas nele.

"Eu não sou uma pessoa boa" era a frase que mais repetia. E realmente, pra muitas pessoas, não o era. Pra si mesmo, menos ainda. Mas era um bom pai. Sua maior vantagem era ter sonhos. E encorajar todos a perseguir seus próprios.

Mas seu maior defeito era não fazer o mesmo. Desistir era seu lema, principalmente quanto ao seus projetos. E foi isso que colocaram em sua lápide. "Um sonhador que agora sonha para sempre".

No dia do funeral, sua filha deixou cair uma flor, e esta voou até o outro lado do descampado. Para pegar de volta, teria que pisar em alguns túmulos. Olhou com cara de preocupada para sua mãe, que tranqüila e serena lhe aconselhou:

"Se você tiver respeito, pode pisar". E disse isso enquanto pisava nos próprios sonhos que, agora, sabia que não iria seguir.

"Meu Amigo, o Eu em mim mora na casa do silêncio, e lá dentro permanecerá para sempre, despercebido, inalcançável"
~ Gibran

Um.

ERA A OITAVA VEZ que ele se dirigia ao parque. "Hoje eles vão estar lá" era a palavra de ordem individual. Sua própria palavra de ordem. E ele tinha o seu próprio Jesus, em relação a isso. Era um amigo próximo, que o ajudava e dizia "vá hoje, mas vá com amor, não vá pensando nada de errado". E ele ia. Estava indo há semanas.

Quando chegou na metade do caminho, seu coração acelerou. O estômago gelou. Olhos abertos, como que surpreso por eles estarem lá. Havia se acostumado com a ausência deles, mesmo acordando toda semana e indo ao parque na esperança de encontrá-los. E preparara-se também com o amor no coração. O amor do qual seu amigo falara. Depois de alguns segundos (minutos?) parado, olhando assustado, ele foi.

Ao chegar, olharam-no com desconfiança. Claro. Ele mesmo chegava com desconfiança. Mas depois de algum tempo, foram percebendo que ele queria se aproximar, conhecê-los. Eles estavam prontos para isso, novas pessoas chegando. Preparados para o ingresso de iniciantes. Iniciá-los.

Mas ele adotou automaticamente uma postura de desprezo, orgulho, ironia, abuso e impaciência.

Afastou-se automaticamente, quando tudo que queria era se aproximar deles.

"Meu Amigo, não sou o que pareço. O que pareço é apenas uma vestimenta cuidadosamente tecida, que me protege de tuas perguntas e te protege da minha negligência"
~ Gibran

segunda-feira, fevereiro 18, 2008

Onze horas. A escuridão era afugentada de seus próprios domínios por diversas luzes que, inicialmente, não pertenciam ao ambiente. Desde o princípio, um tipo de iluminação diferente cortava, aos raios, o feixe negro que a noite derrubava, e era uma luz permanente, serena, constante.

Mas logo algumas luzes intermitentes, porém firmes, chegaram e mudaram a situação. Naquele momento, ondas de cores brilhantes iluminavam, amarelas, vermelhas e laranjas. A superfície, reflectiva, pontuava. Eram spots claríssimos, como uma bola pulsante, ou eram como os de um farol, que começavam em um dos lados - não se sabe se esquerdo ou direito - e terminavam no outro. Estes últimos eram vermelhos.

Subitamente, as luzes vermelhas e amarelas cessaram. O carro do resgate desligava a sirene e se retirava, em direção ao necrotério.

domingo, fevereiro 17, 2008

Ivan e suas dificuldades.

Com uma formação voltada para o controle financeiro - tesoureiro do grêmio, secretário de finanças do Diretório Acadêmico, técnico em captação de recursos -, Ivan virou um profissional das ciências contábeis. Claro, seus pais sempre incentivaram.

- Quando você cuida do dinheiro de outras pessoas, elas sempre te pagam o suficiente pra que você não leve nada pra casa.

Ivan sabia muito sobre o tesouro das pessoas. E tinha, a bem da palavra, o seu próprio. Através de poupanças, descobriu um jeito de manter uma pequena fortuna, para não precisar de mais nada no futuro. Mas precisava. Precisava de muita coisa.

Ivan não tinha o ponto social do cérebro bem-desenvolvido. Nasceu sem essa capacidade. Até conseguira algumas mulheres em sua cama, na juventude. Alguns companheiros de bar, todos do trabalho. Mas conseguira tudo isso através de cálculos. Análises de probabilidade.

Ivan era bom nisso. Uma vez, impediu um atropelamento ao jogar uma sanduiche pra um cachorro. Quando viu que o carro iria bater num garoto de dez anos que saíra pra passear com o animal, reparou que este pertencia a uma raça costumeiramente brincalhona, e arremessou o lanche fazendo com que o cachorro corresse atrás, puxando o garoto para longe do perigo.

E era assim que Ivan conseguia as garotas. E os amigos. Analisava o ambiente, observava suas ações. Planejava e esperava, até o nível alcoólico ideal para tomar uma atitude.

Mas nunca se apaixonou, nem conquistou o coração de ninguém. Ivan nascera, como dito, sem essa propriedade do cérebro. Caso clínico, mesmo. Provavelmente, depois que ele morrer, a ciência descobre uma cura para isso. Mas não antes. Não, Ivan nunca vai se apaixonar nem conquistar o coração de ninguém.

Na realidade, a história se confunde. Já ouvi gente dizendo que Ivan jogara o lanche para que no final, o garoto fosse atropelado. Aos dez anos, sem nunca se apaixonar ou conquistar o coração de ninguém.

http://www.fotolog.com/bizarros/30893497

sábado, fevereiro 09, 2008

Sub-real.

Ao acordar, olhei para o relógio do lado da cama: sete da noite. Não lembrava de nada que tinha acontecido nas oito horas anteriores a isso, quando há nove, estava tomando café com uns recém-conhecidos, no centro. Acha isso estranho? Imagina quando eu percebi que não era o meu relógio? Nem minha cama?

Tive medo. Várias histórias, lendas urbanas sobre gente que é drogada, levada para hotéis e perdem os rins ou algo do gênero. Olhei por todo o meu corpo, e pra um breve e pequeno alívio, estava inteiro. Fui ao espelho pra conferir o resto, e percebi que não estava mal, apesar das olheiras, mais profundas e escuras do que jamais tivesse visto sob meus olhos.

Tratei de me vestir rapidamente, e corri para o lado de fora. Na sala, apesar do escuro e do frio, tudo parecia normal, mas irreconhecível. Nunca pisara naquela casa. Ou seria apartamento? Antes de sair, deduzi que estivesse vazio, e preocupadíssimo, fui à cozinha.

FUI AO BAR, MAS VOLTO JÁ.

ME ESPERA.

A ausência do imperativo no bilhete pregado na geladeira me tranqüilizou um pouco mais, mas decidi não "esperar". Corri pra fora do apartamento, e desci as escadas. Desci doze andares antes de esbarrar com uma mulher estranha, bastante pálida e com olheiras piores que as minhas. À luz intermitente e branca da escadaria ela se tornava preocupante, embora não assustadora. Era inofensiva, achei, e aparentemente, se assustou mais comigo que eu com ela. Sua expressão de surpresa ao me ver deixou-me intrigado.

"Licença", e continuei a correr descendo, mais dois andares, até atingir um belíssimo e barroco hall, cheio de espelhos, luminárias (quebradas) ornamentadas, e anjos e santos de madeira pintados de dourado. A tinta descascava e o ambiente estava pouquíssimo iluminado, mas eu percebi. Eram todos pintados de dourado. Percebi também que na guarita da portaria não havia um porteiro. Bem, o portão estava aberto, então, sem hesitar, corri até o fim da rua, sem nem fechá-lo.

Já escurecera, mas a rua estava movimentada. Bares abertos, pessoas entrando e saindo, assim como das lojas e lanchonetes. Percebi que continuava no centro, embora muito longe do lugar onde eu estava tomando café, há... meu deus, onze horas! Duas horas se passaram. Desde que acordei e me dei conta. Conta de quê? do bar? Meu deus novamente! O bar! Ele poderia estar em qualquer um destes bares, meu captor. Me observando e percebendo que não segui sua recomendação:

ME ESPERA.

O que faria para me punir? Podia ser qualquer um deles. Daqueles bares, das lanchonetes. Me puniria por ter saído, por não ter esperado. Corri o mais rápido que pude, parei o mínimo que consegui - mesmo assim foram muitas vezes. O cigarro, sabe? Corri até ficar num ambiente que conhecia vagamente, algumas ruas pouco movimentadas do bairro velho, no centro. Aí não aguentei. Sentei em uma barraca onde vendiam bebidas e pedi um refrigerante. Uma coca cola.

De repente, as poucas pessoas que estavam na rua começaram a andar, assustadas. Andaram rápido, os putos. Com medo, olhando para trás. Resolvi olhar também, para o fim da rua, e vi vários marginais, não destes que moram nas ruas, eles mais pareciam ter saído de um filme repleto de morros, traficantes e capangas, com roupas da moda de camelô, cabelos pintados e bonés roubados.

Eles não corriam, mas não precisavam. Sua presença, seus sorrisos maldosos, suas piadas e gargalhadas indicavam suas intenções. E assustavam. Mais de dez. O dono da barraca me aconselhou a correr também pois ele iria fechar e se trancar lá dentro, mas antes que eu pudesse me levantar do banco, percebi que não estava enxergando direito. Não enxergava mesmo, apenas as luzes e vultos desfocados. Embaçados.

- Sabe a sensação de quando você acorda depois de uma farra onde, gripado, tomou todas, fumou todos, e dormiu por doze horas seguidas? Os olhos despertam cheios de secreções, úmidos, irritados, cansados, como que com conjutivite? Era isso, mas pior. Bem pior. Eu não enxergava mais os bandidos, nem o dono da barraca. Só via um espectro de luz emitido pelas lâmpadas fluorescentes daquelas compridas, atrás das bebidas. E ouvia as gargalhadas.

Quando decidi sair dali, percebi que não era apenas mal-estar e vista prejudicada. Não conseguia andar também. Presumi que poderia correr para fora da rua, e entrar numa perpendicular que sabia estar movimentada e segura, mas depois de uns três passos cambaleantes e errôneos, fui perdendo as forças nas pernas. Caí lentamente, joelho por joelho, sentindo o peso de vinte elefantes em minha cabeça, em cima de mim. Deitei com a bochecha no chão, sentindo a rala areia por sobre os paralelepípedos entrar em minha boca. E as gargalhadas aumentaram, aumentaram, ficando mais próximas.

Até hoje não sei o que aconteceu depois.

sexta-feira, fevereiro 08, 2008

À Igreja.

Ela decidiu então, entrar descer pelos degraus da margem. A maré estava baixa, eles poderiam se esconder embaixo da ponte, enquanto as coisas esfriavam. Que entendia ela de maré? Puxou-o pelo braço, que segurava desde o começo da fuga, e gritou "aqui", pra que a seguisse. Ele seguiu.

Quando chegaram embaixo da ponte de concreto, ouviram as sirenes. Os fogos... Ou seriam balas de borracha? A gritaria aumentara, enquanto o carro-de-som cessara. "Já tá anoitecendo", disse, mas ele continuava ofegante. Balas de borracha doem, mesmo por sobre tecido grosso da jaqueta. Ela não tinha levado nenhuma, mas um estilhaço duma das bombas atingira seu braço. Sangrava um pouco.

Ele desamarrou o lenço do joelho - meramente estético -, e com ele estancou a ferida da moça. De repente, o telefone vibra, e ele vê que era um dos camaradas. Depois de alguns monossílabos, desliga, e conta pra ela. O pessoal estava detido em frente à igreja.

- Temos que ir lá, mas não vestidos assim.

Juntando o suspensório com a jaqueta, formam uma bolsa. Guardam algibeiras, braceletes, spikes, colares. Enquanto ela pendura a bolsa improvisada numa saliência da ponte, ele cobre a cabeça raspada dela com um boné. Estão menos extravagantes, o que é apenas um eufemismo considerando o visual anterior. As sirenes não param, mas isso não os impede. Se levantam e começam a galgar de volta à rua.

Ele sobe primeiro, e a ajuda a subir o resto. Estavam longe dos degraus. Quando ela vê a cabeça dele cair um pouco para o lado enquanto os olhos reviravam, é tarde demais. A mão dele afrouxava, e ela voltava a cair na lama da margem do rio, enquanto a maré lentamente subia. Olhando de volta pra cima, ela vê as luzes da sirene, e o braço dele desaparece da margem, pra que depois ela veja o corpo inteiro sendo erguido por quatro policiais, completamente de preto.

Quando consegue subir pelos degraus, ela vê as manchas de sangue no chão, e a viatura saindo lentamente do espaço onde estava há poucos minutos. Mas o carro não avança muitos metros. Um módulo é arremessado de cima do prédio abandonado, e, caindo bem em cima do teto, instantaneamente explode. Um Coquetel Molotov. Apenas os quatro policiais deixam o carro e correm pra dentro do prédio. Ela não o vê saindo da viatura em chamas. Corre para ajudá-lo, e de frente para a porta, o vê ainda desacordado, e algemado.

Na escada do prédio, os dois garotos arremessam móveis velhos e tijolos quebrados nos policiais, que irropem com fúria sobre eles. Infelizmente para os militares, mais jovens continuam subindo a escada, e eles logo se vêem cercados.

Na entrada do prédio, jovens ensagüentados ajudam a garota a retirar o jovem, já consciente, de dentro do carro.

Seguem todos rumo à igreja, onde os outros estão detidos.

quinta-feira, fevereiro 07, 2008

À esquerda do rio.



Seis deles estavam parados, na margem do rio. Seis, numa pose que, ou já estão acostumados, ou têm resistência pra manter.

- Um estava sentado em cima da grade de proteção, com as pernas dobradas cobertas por calças do exército, e as botas militares, pretas e pesadas, apoiadas no ferro que servia de apoio entre o corrimão e o chão.

- Outro, com as costas e os cotovelos no corrimão, segurando um cigarro, e com as pernas cruzadas, olhando pro outro lado.

- A garota, com a cabeça toda raspada exceto pela franja cor-de-rosa, acendia um cigarro e sentava encostada nas pernas deste último, como que demonstrando "estar" com ele.

- O que aparentava ser mais velho também era o mais ortodoxo. Uma camiseta branca, suspensórios vermelhos, a calça preta folgadíssima, e as botas por cima. A cabeça, toda raspada, com uma tatuagem que vinha até a testa. Terminava em três setas vermelhas, acima dos olhos. Estava de pé, ereto, com as mãos no bolso. Viril.

- Os outros dois estavam agitados, andando de um lado pro outro, brincando de boxe. Também usavam suspensórios, cabeça raspada.

Só o primeiro, com as calças do exército, que tinha um pouco de cabelo, que terminava numa franja.

Do outro lado da rua, em frente ao clássico edfício, estavam outros quatro. No escuro, foi difícil identificá-los. Mas todos pareciam estar igualmente extravagantes. Estavam fumando maconha. Um deles tinha um pequeno aparelho que tocava intermitentemente um som parecido com reggae.

Um fusca veio, e dele desceram duas outras garotas. Cada uma com uma sacola plástica, uma pra cada lado da rua. Entregaram cerveja ao resto do pessoal, e uma delas, de franja laranja, ficou encarando, de frente pro centro da cidade.

O rio ficava à sua esquerda.