quarta-feira, março 05, 2008

Seis.

Ele tinha problemas com o pai. Na mesa de jantar, na sala de estar, nas viagens e passeios. Os irmãos se davam bem, entre si. Eram dois, e ele amava cada um dos dois. Só que os dois amavam o pai como amam ao céu, mas ele não. Ele era diferente. Seu pai não era seu céu.

A irmã mais velha estudava música. Tocava violoncelo, e o pai adorava aquele som. Ela fazia parte da frente juvenil da sinfônica da cidade, e ele se orgulhava em espalhar aos ventos. O mesmo se dava com seu irmão, contador recém-formado. Já tinha emprego com uma ótima remuneração. Ele era o mais novo, e não sabia sequer que faculdade cursar. Antigamente, era uma pauta para as discussões à mesa. Mas não acontecia mais. Quando ficavam juntos à mesa de madeira da sala de jantar, uma nuvem negra e pesada invadia a sala. Até sua mãe ficava irritadiça. O cachorro sequer vinha pedir comida.

Seu pai e seu irmão foram, uma noite, assistir à apresentação da violoncelista. Fora obrigado a ir também, mesmo não gostando do estilo musical tocado. Sentaram-se os três, com o irmão-contador se colocando automaticamente entre os dois, para evitar maior contato. No meio da apresentação, o pai chorava. Chorava de orgulho, ao ver sua filha despertando tanta emoção na platéia e em si; era algo belo, e instigava os sonhos de quem ouvia.

Mas não nele. Ele não conseguia sentir o calor despertado em tantos. E isso o irritava e, ao mesmo tempo, lhe dava uma sensação de ser superior. Era como uma compensação: não o sentia, mas ao menos não era fraco, por isso.

Seu pai percebera esses sentimentos, e quando a noite acabou, gritou com ele. Deveria ser sensível à situação, ter um catching para compreender como é bonito o que a irmã fazia. Ele então perguntou o quanto o violoncelo adicionava à renda familiar, e seu pai o bateu. Mas parou e percebeu. Ele era sensível. Não queria escolher um trabalho que não colaborasse com a família. Queria agradar o pai.

E tinha apenas quinze anos, o garoto.

"Amas a Verdade, e a Beleza, e a Retidão. E eu, por tua causa, digo que é bom e decente amar essas coisas. Mas, no meu coração rio-me de teu amor. Mas não
gostaria que visses meu riso. Gostaria de rir sozinho.
"
~ Gibran

4 comentários:

  1. Encarnou mesmo com "contador", né. Isso daí parece aqui em casa, uns 5, 6 anos atrás :P tirando a menina que toca a guitarra deformada aí.

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  2. gostei do pai.
    eh pra levar lapada mesmo, o pirraia!
    psicotapa rulz!

    =P

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