sexta-feira, abril 25, 2008

A Cavalgada do Nada

ou Como Ele Não Quebrou o Paradigma

Sempre me incomodava na mesma hora, na madrugada. Eu sentava debruçado sobre a prancheta, projetando à vontade. Por volta das duas da manhã, começavam os trotes. Lembro hoje da primeira vez. Eu tinha acabado de pegar café, e não terminara nem de me sentar corretamente. Do meio da rua, escuto um trote. Pesado, como se houvessem duas pessoas em cima do cavalo. Achei estranho, àquela hora, no meio da cidade, duas pessoas andarem de cavalo às duas da manhã, mas deixei pra lá. Continuei a desenhar.

Alguns minutos depois, mais uma vez o trote. Novamente pesado, na mesma velocidade. Não estava correndo, correndo mesmo. Nem parecia uma fuga. Era apenas um passeio acelerado, mas eu continuei achando estranho. Existia uma favela alguns quarteirões abaixo, mas não era possível. Saí da prancheta, subi as escadas e olhei pela janela: nada. O barulho já se distanciava, mas a rua estava deserta. Vazia. Voltei à prancheta, mas aquilo me incomodou. Bebi mais um gole de café, e acendi um cigarro, olhando para os pôsteres de cinema dos anos 40. Não me concentrei em nenhum, em particular.

Quando o cigarro estava por acabar, decidi ir à janela novamente. E eis que começa a surgir, baixinho, mas depois aumentando como que passando em minha frente. Mas eu não via nada! O trote vinha do lado esquerdo da rua, e da janela, eu não podia ver o seu final. Mas logo o barulho chegou a vir como se o cavalo e seus dois cavaleiros estivessem em minha frente. Mas nada aparecia. Comecei a me assustar. Por fim, à direita, o barulho diminuiu até sumir, e eu estava curioso, intrigado, mas o temor havia me deixado.

Não saí de casa para descobrir, mas não por medo; por preguiça. Tinha um projeto para terminar ainda àquela noite.

E por isso o trote continua me incomodando. Sempre, às duas da manhã. E eu sempre volto à janela, pra ver o nada cavalgar sobre os paralelepípedos da rua em frente à minha casa.

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