domingo, setembro 09, 2007

A Ilha

Depois de sair do parque, encaminhou-se pra casa; não ia entrar, nem nada. Só dar uma olhada pra entrada do prédio. Lembrar de quando era pequena, e saía pra jogar futebol com os meninos. A mãe detestava isso, vê-la sair com garotos pra jogar bola, e não com as meninas pra brincar de boneca. Mas o pai adorava. Ele tinha menos preconceitos em relação a isso que a mãe. Ele adorava saber que a filha podia muito bem fazer atividades "masculinas", mas ainda assim conservar a asinha rosa de borboleta da fantasia do colégio. Ela era mesmo feminina, sabia disso.

Pensou em subir, pegar a asinha da borboleta, e levar consigo pra... aonde estava indo? Não saberia dizer nem quando chegasse. E isso não interessava, né? Desistiu de subir. A asinha de borboleta poderia esperar. Seu pai guardaria, com certeza. Desceu a rua com um sorriso estranho no rosto. Estranho pois não tinha motivo, não tinha razão para sorrir. E estranho fisicamente mesmo. Não era um sorriso feliz, era meio torto. Só então percebeu que chorava.

Mas por que choraria? Pelo que poderia chorar, se não tinha motivos pra ficar triste? Simplesmente por não ter motivos para ficar feliz. A dor não residia apenas nos problemas. A falta de problemas também representava a falta de soluções, e o gozo de resolver algo. Como quando resolveu pintar o cabelo de preto, pra esconder o laranja. O laranja natural, quer dizer. Mas não conseguiu. No dia seguinte, o laranja voltou. E aí é que se apresentou a real solução. Percebeu que ficava linda com o cabelo laranja. O laranja natural, quer dizer. Decidiu então fantasiar.


Enquanto descia a rua, com lágrimas nos olhos e um sorriso torto, pensou-se navegando. Mares calmos, num dia claro, e o vento muito, mas muito forte e frio. Seus cabelos voavam de um jeito muito charmoso. Nua, com os mamilos rijos, os mamilos bem no centro daqueles seios pequenos. A proa estava cheia de areia. Sentia frio nos pés, em meio às algas. Os albatrozes deviam ter trazido as algas pra proa, só podia. De que outro modo elas chegariam ali? Só se o navio tivesse submergido em algum momento, antes dela embarcar. E provavelmente foi o que aconteceu. O vento ficava mais frio, e os pingüins apareciam nadando, ao redor do navio. Eles eram rápidos, e o navio, lento. "Indo para o sul, sempre para o sul".

A ilha crescia no horizonte. Aquela ilha era para onde estava indo, com certeza. E agora, isso interessava. Sabia dizer que seu destino era A Ilha. Uma ilha bonita, que por causa do frio, tinha um pico daqueles bonitinhos, coberto de neve, mas a vegetação embaixo era densa. Densa de um jeito não-tem-ninguém-vivendo-aqui. Só a natureza. E enquanto o navio se aproximava, ela, na proa, alternava entre olhar pra ilha e pros pingüins. E chorava. Chorava de felicidade. Era maravilhoso, sentir aquilo. O frio não incomodava. Ou incomodava, mas era isso que era bom, por ser frio. É bom saber que você está sentindo muito frio, num lugar longe de casa, numa atmosfera lânguida. Era quase folclórico.

E enquanto não percebia os recifes de corais se adensando, indicando a proximidade cada vez maior da costa, também não percebeu o ônibus saindo da perpendicular. Morreu enquanto fantasiava com a ilha que seria seu destino.

8 comentários:

  1. Anônimo6:56 PM

    não morreu.
    chegou na ilha.

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  2. Anônimo3:35 PM

    acho q mesmo que tenha morrido...
    chegou na ilha de todo jeito =~

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  3. Hora vejam só!
    Os outros comentários falaram exatamente como pensei em falar!
    Enfim...acredito q o paraíso(se é q ele existe) seja como idealizamos.
    Acredite...ela foi pra ilha.
    Boa noite, amigo.

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  4. Anônimo9:42 PM

    Morreu enquanto fantasiava com a ilha que seria seu destino.


    =~

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  5. Totalmente optativa, quanto a car�ncia...n�o se encaixa ao meu perfil.

    Sinto falta das nossas conversas, telhados e cervejas pretas. N�o leve a mal nossa m�tua aus�ncia, eu n�o sou indelicada, talvez eu sinta ao menos (mesmo) sono no final das contas.

    Voc� faz falta no meu msn, acredite.
    um bom dia pra um rapaz de nick dormindo, e um abra�o pro rapaz
    dos telhados chuvosos de recife.

    Eu gostaria de ter de conversado mais com voc� na azalpi I, algo que fugisse ao fato da minha bolsa congressista baiana.

    =*

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  6. Eita, eu tava nesse õnibus era um Barro/Macaxeira( via Várzea)

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  7. Ela se preocupou de mais em ter com que se preocupar (algo como a ilha, algo perfeito talvez), se preocupou demais e morreu, mas de qualquer forma ela chegou à ilha e ela nem podia mais se preocupar.

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  8. Engraçado que hj eu passei o dia pensando na Ilha.
    Imaginando-a... tão linda que deu vontade de ir pra lá.
    Mas desisti porque passei aqui pra reler e foi qnd lembrei que a menina de cabelos laranjas já foi pra lá. Prefiro deixar a Ilha só pra ela.

    Você prometeu novas histórias sobre ela, vou ficar esperando.
    Eu sempre tô por aqui, você sabe né?

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