sexta-feira, maio 11, 2012

Escolhi acordar

No sonho a gente não se conhecia, mas por alguma razão, era melhor assim.

O cenário, diferente dos sonhos comuns, era fixo. Uma vila do interior, dessas minúsculas com chão de terra batida. Uma padaria, um boticário, uma igreja e um bar. Na frente do bar tinha uma árvore, grande, que projetava uma sombra gostosa sobre um pequeno monte de terra gramada. Uma jaqueira.

Eu tinha virado a madrugada bebendo, mas, às dez da manhã já estava ficando sóbrio. Um amigo uma vez me falou que a pior ressaca que temos é quando ficamos sóbrios antes de dormir. Eu estava de ressaca. Não tinha intenção de parar de beber, mas precisava de ar puro. Saí do bar e deitei sob a sombra da árvore para aproveitar esse ar puro. Aí acendi um cigarro.

De olhos fechados, e dando baforadas profundas antes de soprar de volta como se contaminando o mundo e me sentindo culpado por isso (mas sem negar o prazer sentido), eu não via, ou ouvia, mas sentia os olhares dos transeuntes me julgando e arremessando blasfêmias sobre o menino da cidade que parecia querer interferir na rotina da pacata sociedade na qual viviam.

Também senti quando ela prostrou-se diante de mim, na sombra daquela jaqueira. Imediatamente (ou poucos segundos depois), abri meus olhos e ela tinha aquele sorriso irônico e agradável ao mesmo tempo (e não é sempre?) de quem quer puxar papo. A gente sabe que ela vai começar uma discussão que nos desagrada em níveis toleráveis, só pra puxar assunto. E foi assim.

Não faço ideia, agora, do conteúdo daquele diálogo, mas conversamos por alguns minutos, um diálogo digno de um filme do Hugh Grant: eu deitado, com meio olho aberto, acendendo um cigarro com a ponta do anterior, e ela de pé, com as mãos na cintura por sobre aquele vestido florido e cinto de couro.

Pós-bêbado costumo desenvolver uma espetacular eloquência, mas sem jamais ser páreo para as respostas felinas e ferinas daquela criatura determinada; seus objetivos, embora ainda obscuros, pareciam cada vez mais próximos de serem alcançados, a julgar pelo triunfo estampado no sorriso irônico, porém gradativamente mais satisfeito. Ela se ajoelhou ao meu lado e pude ver os pequeninos joelhos tocarem a grama com suavidade, grudados um no outro numa mistura de falso pudor e infantilidade feminina.

Passados alguns minutos, finalizávamos a discussão naquelas posições: eu ainda estava deitado, porém não acendi mais nenhum cigarro. O sorriso deixava de ser irônico para tornar-se simultaneamente meigo e sensual. Foi quando, no auge da retórica de um poema etílico, iniciei meu último argumento. Tive a certeza de que com aquelas palavras encerraria a discussão e a desagradaria, mas ela apenas sorriu mais, e ao final do meu, debruçou-se sobre mim com suavidade enquanto murmurava algumas palavras concordando comigo. Não chegou a concluir o pensamento... ou chegou: me beijou tão suavemente que parecia certo. Parecia o mais correto a se fazer.

O beijo foi tão agradável (a não ser pela consciência do meu mau hálito) que não tive dúvidas na escolha da minha próxima atitude: acordar.

Não queria estragar aquele momento, que agora sei que irá me acompanhar pra sempre na memória, mesmo não tendo nunca existido.