sábado, julho 01, 2017

A culpa sempre será do beijo

Malfeito. Maldado. Malpensado.

E agora evitado. Adiado. Postergado.

Ignorado.

Negado.

E eu ainda aceno para os pontos na praia.

Continuo acenando para os barcos

Quando eu era uma criança, com meus doze anos ou menos, morava em uma cidade costeira. Vivia na praia, brincando com as ondas do mar, fazendo pequenos e feios castelos na areia, e acenando para os barcos que se distanciavam aos poucos, até virarem pequenos pontos.

Sempre tive uma imaginação fértil. Criatividade e facilidade de metaforizar. No entanto, nunca vi aqueles montes de areia como castelos. Não conseguia imaginá-los como grandes fortalezas, abrigando cortes medievais.

Já os pontos, eu conseguia. Sabia o tamanho, a tripulação, a escola do barco. Sabia nada, lógico, mas imaginava. Às vezes eu podia estar olhando para uma pedra, mas pra mim era uma grande fragata, que claramente me ignorava, sem sequer imaginar que alguém acenava na distante praia.

E até hoje, eu ainda aceno para os pontos distantes na praia.

Ainda bato minha cabeça no chão em meio às crises.

Ainda sou uma sombra, fácil de ignorar.

Eu fiz o mundo acreditar que não me importo com nada, até o momento em que o mundo desistiu de tentar conquistar meu interesse. Não me arrependo, jamais; o impacto negativo de se importar com algo

Ainda

É

Pior

Que

Simplesmente

Desaparecer.

E por isso, eu me apago novamente, me faço desaparecer, como em um passe de mágica. Acenando para os pontos no distante horizonte, mas sendo fácil e peremptoriamente ignorado. Dúvida?

Onde estou, então?

terça-feira, junho 27, 2017

Cada vez mais perto

Menina não. Dez anos se passaram, então, era esperado que ela se tornasse uma mulher. E que mulher. Os cabelos continuam laranjas (mas já foram amarelos, e outras cores também, sempre voltando ao laranja).

Mas de resto, tudo mudou.

Não tem mais aquele brilho no olhar.

Não tem mais aquela expressão de dor e contemplação.

Não tem mais aquela inocência.

Endurecida, pela vida (e pelas mortes), a mulher de cabelos laranjas que encontrei tem pouco daquela menina, que encontrou a ilha; que libertou os macacos; que sentiu o gosto seco dos paralelepípedos na rua.

Uma coisa é certa: é ela; era a ela que eu procurava. E quando a vi, tive certeza que era ela que me ajudaria a encontrar Dimitri mais uma vez.

Eu a vi pela primeira vez em um dos poucos momentos em que decidi tomar meu whisky fora de casa. A situação foi completamente diferente de quando Dimitri conheceu seu anjo. Não foi um momento bucólico, ou meigo. Foi mais próximo de insano. Violento. Doente. Adulto, em um sentido diferente.

Não, sem sexo. Sem maldade. Sem verdade.

Assim como aconteceu com Dimitri há 10 anos, o amanhecer trouxe surpresas. Talantes, vontades. Certezas. E aí, uma semana se passou, à distância. À deprê. A gente se bateu, o santo bateu. O coração? Bateu.

E aí ela me perguntou: Um contra um: rolou um clima né?

O que eu vou dizer? Mentir que sim? Mentir que não? Em qual eu estaria mentindo, afinal? Então tudo começou: da despedida à recepção. E sabe o que é pior?

Até agora ela só morreu duas vezes:

Na primeira, me vi com febre; doente; acabado. Seu sumiço apenas se agregou à minha vontade de sumir. Mas estávamos distantes, então foi mais fácil ignorar.

A segunda vez foi logo após um beijo.

Aí não tem o que fazer: a culpa sempre será desse beijo.

Malfeito maldado malpensado.

Paint it, black.

Esse sonho começa diferente. Até tentei acordar algumas vezes - obtendo sucesso em metade delas, mas em todas voltei ao mesmo ponto, até que desisti e me deixei levar.

A porta era vermelha, e eu quis pintá-la de preto. Não apenas para refletir a escuridão dentro de mim; mas para contrastar com as cores ao redor. Muita vida também incomoda, não é? Não? Bom, a mim sim, e sempre achei que era um sentimento comum.

Apesar do desgosto, abro a porta. Entro, e encontro você lá. Sentad* em uma poltrona aparentemente confortável - embora você não estivesse. Não parecia nada à vontade. Mas esperou, pacientemente, enquanto eu fechava a porta atras de mim e pendurava meu chapéu, casaco e cachecol no cabideiro à esquerda do corredor.

Ser paciente, como vim a descobrir, era o mínimo que você poderia fazer. Claro que no momento eu não sabia disso; achei que era coisa de personalidade. E te admirei mais por isso.

- Um contra um - você disse. Eu lembrei do jogo, e me entusiasmei.
- Pode começar.
- O que você está pensando desta parceria no crime?

Foi ríspido. Direto demais. Não que eu desgoste de objetividade; logo no início te falei que odiava jogos psicológicos. Mas você gosta, e sempre deixou isso bem claro. Por isso me pegou de guarda baixa.

- Até o momento tudo deu certo. Nossas habilidades são complementares. Confio em você e todas as nossas expectativas são cumpridas e controladas. Por que?
- É a sua vez. Essa é sua pergunta?
- Sim. Vou fazer uma dupla: por que você perguntou isso? O que VOCÊ está pensando?

A porta foi se pintando, gradativamente, de preto.

E eu devia ter adivinhado que o golpe viria.

Discordo

De

Tudo

Pra

Mim

O

Que

Começou como um sonho

Tornou-se 

Um

Fardo

Não

Quero

Mais

Manter

Não quero mais te ter.

Como parceir*.

sábado, junho 24, 2017

E eu não sinto nada. Quer dizer que fiquei bem?

Deitado no frio. Tudo escuro. Próximo do chão, e consequentemente do inferno.

Ao menos assim fico mais aquecido.

Aguerrido.

Não importa pra mim; então por que importaria pra você?

Posso manter isso só pra mim. Então liberte-se. Me esquece. Me liberte. Me deixe.

Como essas palavras te fazem sentir?

Fogo

Na

Bruxa.

Jogue uma moeda no poço, e faça um desejo.

O que você ganha, então?

quinta-feira, junho 22, 2017

A busca continua

Mais alguns anos se passaram. Estou em outro lugar, outra cidade, vivendo uma vida que, embora jamais esperasse que iria viver, desejei em um momento ou outro.

Na verdade, minha vida atual é bem parecida com aquelas sobre as quais costumávamos fantasiar. Lembra? Trabalhando com aquilo que gostamos. Usando roupas caras, computadores de alta performance. Com um relacionamento sério, contas a pagar, responsabilidades a se cumprir. Figuras de respeito.

Mas ninguém nos falou, àquela época, que ao chegar aqui iríamos querer voltar. Iríamos querer recuperar grande parte do que nos alegrava, nos saciava. Nunca fomos alertados de que, mais de dez anos depois, iríamos sentir falta das experiências e pessoas de outrora, tão abundantes então e tão escassas hoje - que temos o que sonhávamos.

Algumas noites atrás me peguei naquela mesma busca. Ao me perceber olhando para um copo de whisky, Pink Floyd rolando na TV que, multifuncional, mostrava as horas - 2:30 da manhã - usei o celular para procurar mais pistas sobre o Dimitri. Parece que desisto com facilidade, sempre para voltar um ou dois anos depois com mais gana. Dez anos se passaram, muito mudou; se antes eu sentava em uma escrivaninha, diante de um computador ligado à rede mundial através de um cabo, hoje posso me dedicar de qualquer lugar, a qualquer hora, com as respostas na palma da minha mão. E mesmo assim faço longas pausas - cada vez mais longas, receio.

O curioso é que mesmo aqui, longe daquela cidade em que o conheci - em que tudo aconteceu - encontro essas pistas. Paredes pintadas com os fractais, cores e flores. Bares de rua iguais aos que ele frequentava. E uma menina com cabelos laranjas. A pista mais próxima que já tive do paradeiro de Dimitri, ou de seu alter-ego.

Na verdade, começo a me perguntar quem seria o real protagonista desta história: ele? Eu?

Ou ela?