sexta-feira, setembro 25, 2009

1996

Há alguns anos - quase quinze - era comum encontrar pessoas em grupo, nas ruas da cidade. Eram pessoas com interesses em comum, os mesmos talantes culturais. Sentavam-se em uma lanchonete, uma praça, mesmo uma escadaria, e passavam horas juntos. Conversando, bebendo, fumando cigarros, trocando conhecimentos. Do final da tarde às duas da manhã.

Então iam para casa, e alguns se telefonavam. Conversavam mais um pouco e tinham ótimas noites de sono. Victor era uma dessas pessoas. Seu grupo de amigos era composto por alguns colegas de escola, mais alguns vizinhos, e eles sempre se encontravam para debater qual a melhor banda grunge, ou para avisar que o novo disco do Blind Melon havia chegado ao Brasil.

Seus pais sabiam que eles tomavam cerveja (e vodka, algumas vezes) para enfrentar o frio da noite, mas culturalmente isso não parecia tão errado. Era até tradicional que jovens fizessem isso. Estavam seguros em grupo, moravam perto uns dos outros, e nunca acontecera nada que abalasse a estabilidade familiar.

Certa noite, os seis amigos estavam na mesa de piquenique ao redor da lagoa, quando Victor notou que Samanta sentia frio. Ele usava uma camisa de flanela, quadriculada, amarrada à cintura, e viu nisso uma chance de agradá-la. Aproximou-se e cobriu-a com a camisa, mas quando voltava ao seu lugar, Samanta segurou sua mão. Falando baixinho, embaraçada pelos outros amigos, ela pediu para que ele a abraçasse, o que ele o fez pronto. Um dos amigos entoava uma balada no violão, bastante conhecida à época. Já estava perto do final da música quando Samanta perguntou o nome.

"Saint Andrew's Hall" respondeu Victor em seu ouvido. E, afinado, acompanhou a música baixinho, apenas para que ela o ouvisse. Samanta fechou os olhos e viu cores. Faixas verdes, amarelas, rosas... Cores vivas. Repentinamente sentiu calor, e percebeu que Victor a abraçava com mais intensidade, mais próximo de seu corpo. Sentados, ninguém percebia que estavam trocando carícias, e os postes não iluminavam tão bem assim aquela área do parque. Foram se abraçando, a barba de Victor arranhando suavemente seu pescoço. Samanta queria beijá-lo ali mesmo.

Victor continuava a cantar a balada em seu ouvido. "You should have been in my shoes yesterday", enquanto o amigo solfejava o violino comum da música, ao mesmo tempo que tocava os acordes finais. Samanta estava em êxtase, e não pensava em mais nada a não ser deitar-se com Victor na grama, naquele momento. Jovens, cheios de desejo e vontade de quebrar regras. Ao final da música, Samanta virou sutilmente o rosto para aproximar sua boca da de Victor.

Mas Victor simplesmente não se arriscou. Sua auto-estima não permitia tais aventuras.

sexta-feira, setembro 11, 2009

Inversão

Mas o que ele poderia fazer? Ela estava lá, sentada, olhando para o chão com uma triste expressão que parecia dizer: "Estou sofrendo tanto quanto você". Mas ela sabia que não estava, e ele também. Ela só não queria mais.

Ele não conseguiu nem parar e raciocinar; descobrir o que poderia fazer pra que ela mudasse de ideia. Pra ele, parecia absurdamente plausível que tudo merece mais uma chance. "Vamos tentar mais, talvez agora funcione". Mas não conseguia parar e raciocinar.

Ele parava, respirava fundo, fazia uma cara de reflexivo. "Vamos conversar, descobrir onde foi...", mas nada adiantava. Ela interrompia quaisquer de suas frases, meneando a cabeça e dizendo "não, não dá mais". Ele parou de insistir quando ela tornou-se estúpida.

Levantou-se, pediu um último beijo - que foi negado - e um último abraço - que recebeu. Olhou para a porta, e começou a caminhar em sua direção. Parou, tateou o bolso direito; nada. No esquerdo, encontrou os cigarros e o isqueiro. Acendeu um, tragou de modo a ressonar no ambiente. Ela até se assustou com o barulho.

"Sabe" disse, com as lágrimas nos olhos. "Não imaginei que fosse acabar assim. Mas acho que nunca é como imaginamos, não é? Quer dizer... O tanto que te perdoei; e hoje eu não mereço esse perdão". Ela não levantou os olhos. O chão parecia mais interessante.

Ao sair do prédio, pensou consigo mesmo:

"Coitada. Eu sei como é horrível dar esse tipo de notícia".