quarta-feira, abril 15, 2009

Lendas da Internet - Episódio 1

As aventuras de um jornalista rockstar na web 2.0.

Eram três da manhã, quando meu telefone tocou. Eu ainda não dormira; acabara de finalizar um artigo para o blog no qual eu trabalhava na época. Era um site de um jornal, e algumas colunas haviam sido substituídas por blogs.

Era Lindolfo, no telefone. Falava com uma voz meio grogue, e dava pra ouvir o som de fundo, das guitarras e da bateria. Jones era um bom baterista, mas quando batia umas duas da manhã, ele ficava meio tonto, e isso cortava o ritmo.

- E aí, cara? Como vai essa força?
- Lindolfo, são duas...
- Lindolfo não, pô! Quando tô com a banda me chamo Lindie, lembra?
- São duas da manhã. Eu acabei de terminar um job. Deixa eu dormir!
- Escrevendo?
- Não, girando realejo. Babaca! Eu sou jornalista, não sou?
- Ok, ok! Olha, é justamente isso que quero falar contigo. Sabe o Jones? Ele teve uma idéia sensacional: o que você acha de entrar na banda?
- Ok, eu quero sim. Vou tocar fagote?
- Fagote?
- É, filho da puta. Fagote. O que porra te faz pensar que eu sei tocar alguma coisa de rock, pra tocar na tua banda?
- Eu não falei nada sobre tocar! Eu te chamei pra entrar na banda. A idéia do Jones é que tu fiques de cima do palco, escrevendo artigos pro nosso blog. Tu vais ficar lá, sentado, digitando no notebook. Aí publica em tempo real como está sendo o show. É uma espécie de “Quase Famosos” da web 2.0! Fica escrevendo no blog, e entre um parágrafo e outro, publica algo no twitter, pra falar que o show tá legal, que o bar tem clone de chopp, essas coisas. Aí quando acabar o show, tu publica o artigo, e vamos embora. Pode parecer estranho pro pessoal, ver alguém digitando, mas podem até pensar que é um sampler ou coisa do gênero. Que tal, heim?
Eu não podia acreditar. O bom baterista da Opposite era um gênio da internet. Daqueles que pensam num conceito leve, rápido e certeiro, e isso vira um negócio bilionário. Tipo o Google, ou o Twitter. Aceitei na hora, né? O primeiro concerto foi num bar aqui perto da minha casa, onde eles costumavam tocar no início da banda. O bar encheu bastante, pois eu fizera uma ótima campanha digital, com direito a Twitter e artigos em vários blogs.

A princípio, me senti meio desequilibrado. Nunca estivera em cima de um palco antes (salvo na faculdade), principalmente como um membro da banda. Algumas garotas até olhavam pra mim, embora eu pouco pudesse ver com tanta luz. Quase começo a apoiar a decisão de Lindolfo de mudar seu nome pra Lindie. Estar no palco dá uma sensação de que a gente precisa ser especial, diferente.

Comecei publicando alguns tweets. Falando de como estava o show, sobre a sensação de estar lá em cima. A banda me autorizara inclusive a criticar. Os engasgos de Lindie. A tontura de Jones. Até a embriaguez do guitarrista, que o fazia errar notas elaboradas. Tirei algumas fotos da minha estação de trabalho, com a banda ao fundo, pra provar que era real o que eu estava fazendo, e publiquei no flickr pra mostrar pra todo mundo. Depois tirava fotos da platéia, mostrando “gente bonita”.

No final do show, o site da banda tinha recebido cerca de quatrocentas visitas. Ora, numa madrugada de quarta-feira, o site de uma banda relativamente conhecida não chega nem a cinquenta. Foi impressionante. No dia seguinte, chegamos a mais de mil e duzentas, o dia todo. Diversos usuários começaram a seguir nosso twitter.

O próximo show foi lotado. Uma fila se estendia pelo quarteirão. O gerente do bar havia oferecido um espaço perto do balcão pra mim, mas Jones e Lindolfo – Lindie – fizeram questão de que eu ficasse no palco. Fazia parte do conceito da coisa. Os seguidores do twitter ficaram publicando o tempo todo que iriam acompanhar, e eu decidi uma coisa: publicar vídeos de baixa resolução de uma ou outra música.

Eu estava me tornando um multitarefas incrível. Filmava com o celular (pro vídeo ficar pequeno e publicar no youtube), batia fotos com a câmera digital, escrevia artigos e mandava pequenos tweets, num show de cerca de duas horas. Não era difícil, só desconcentrava um pouco. Decidimos que nos shows seguintes iríamos contratar um fotógrafo amador, que me passaria as fotos a cada dez minutos. Quantidade de visitas nessa noite? Mais de dez mil, apenas entre dez e duas da manhã.

Depois de um mês, que contou com oito shows desse tipo, as propagandas no site somadas à minha comissão por ser “da banda” já tinham superado meu rendimento mensal lá no jornal. Meu chefe entrou em contato, e conversando sobre isso, ele me ajudou: iria liberar minhas manhãs posteriores às noites de concerto. Isso iria reduzir pouquíssimo minha remuneração, mas valia a pena.

Fiquei famoso também. Jornalistas, músicos, designers... Todos me conheciam, me procuravam, me convidavam pras festas. Eu tinha o que chamam de Whufie: uma espécie de capital social. Ganhava presentes, e tudo mais. Alguns me tratavam como membro da banda.

Mas eu decidi sair. Minha mulher estava ficando com ciúmes das groupies.