quinta-feira, março 27, 2008

Cultura Popular

me sinto doce por dentro; saudável. sadio. sarado.
interminável, insaciável. me sinto forte. sou completamente doce. seu.
ao natural, totalmente ao natural, ou do jeito que você me quiser.

pois na sua boca eu viro fruta. chupa que é de uva.

terça-feira, março 25, 2008

Falta do quê.

Bate aquela falta do que falar
do que fazer
o quê.

Só dá vontade de dizer
de trazer
o quê.
Você?
Não, você mais não. Mais nada, mais ninguém, nunca mais.
Nunca mais por enquanto. Deixa eu voltar a ser.
A ser?

o quê.


Hold me closer
let me be
Hold me closer
let me go away.
~ STP - Ride the Cliché

domingo, março 16, 2008

Sete e final.

Pepe gosta de viajar. É tão simples. Não, não é tipo uma resposta a um formulário, como "quem é você?" e "alguém que gosta de viajar”. Não, ele é mais que isso. Mas no todo, tem isso. Pepe gosta de companhia, gosta da companhia de várias pessoas. Algumas em particular, ele se importa mais. Ele não gosta de ser, estar ou ficar sozinho. Mas antes de tudo, ele gosta de viajar.

Então o que acontece quando ele vai sair de onde está, passar pra outro mundo? Acaso ele quer alguém que o acompanhe? Não. Antigamente, Pepe gostava. Ele fazia de tudo para que as pessoas o acompanhassem. A companhia delas podia se estender por mais tempo, existir mais. E isso fazia Pepe existir mais. Ele chegava a uma cidade, conhecia várias pessoas, e de repente, construía uma idéia ao redor delas. Quando chegava a hora de partir para outra cidade, Pepe até oferecia carona a uns ou outros. Poucos aceitavam, mas os que iam, gostavam.

Mas houve momentos na vida de Pepe que ele precisava estar só. Para conhecer outras pessoas. Para fazer novos amigos e construir novas idéias. Ele tinha objetivos que precisava cumprir só. E suas companhias não entendiam isso. Não acreditavam que ele viveria algo sozinho. Pepe não podia sequer dormir só. Desenhar só. Então chegava um momento que ele dispensava as companhias. E com a separação, vinha a dor. A agonia de interromper uma companhia, a situação que Pepe sempre adiava o máximo possível.

Ele passava um bom tempo chateado pelo fato de que as idéias que construíra por um tempo se tinham ido. Era desestimulante e desanimador saber que ele iria perder tudo que construíra. Mas Pepe logo chegava a outra cidade, e conhecia novas pessoas. Era tudo maravilhoso, e o tempo que dedicava a pensar nas idéias antigas diminuía - claro que não se extinguia, mas diminuía bastante. E quando chegava a hora de partir novamente, Pepe não oferecia caronas. Ele sabia o que poderia acontecer. Mas depois ele se sentia solitário, e tudo começava novamente. Pepe não era uma pessoa sozinha.

Esse era um ciclo que se repetia sempre. E, como tudo na vida, dava experiência a Pepe. Depois de algumas voltas, ele já demorava mais para se sentir seguro o suficiente para oferecer caronas, e eventualmente, o dia chegou. Chegou o dia em que Pepe entrou em uma cidade no anonimato, e não construiu idéia alguma. Chegou, sentou só, bebeu só, brincou só, desenhou só. E partiu só. Não queria mais companhia alguma. De pessoa alguma. Seria doloroso demais ter que se despedir novamente. O contato que Pepe fazia com qualquer pessoa se tornara fútil e superficial. Às vezes ele até mentia o nome. Eu sei disso. Descobri recentemente que o nome dele não era "Pepe".

"Meu Amigo, tu não és meu Amigo, mas como te farei compreender? Meu caminho não é o teu caminho. Contudo juntos marchamos, de mãos dadas."
~ Gibran

quarta-feira, março 05, 2008

Seis.

Ele tinha problemas com o pai. Na mesa de jantar, na sala de estar, nas viagens e passeios. Os irmãos se davam bem, entre si. Eram dois, e ele amava cada um dos dois. Só que os dois amavam o pai como amam ao céu, mas ele não. Ele era diferente. Seu pai não era seu céu.

A irmã mais velha estudava música. Tocava violoncelo, e o pai adorava aquele som. Ela fazia parte da frente juvenil da sinfônica da cidade, e ele se orgulhava em espalhar aos ventos. O mesmo se dava com seu irmão, contador recém-formado. Já tinha emprego com uma ótima remuneração. Ele era o mais novo, e não sabia sequer que faculdade cursar. Antigamente, era uma pauta para as discussões à mesa. Mas não acontecia mais. Quando ficavam juntos à mesa de madeira da sala de jantar, uma nuvem negra e pesada invadia a sala. Até sua mãe ficava irritadiça. O cachorro sequer vinha pedir comida.

Seu pai e seu irmão foram, uma noite, assistir à apresentação da violoncelista. Fora obrigado a ir também, mesmo não gostando do estilo musical tocado. Sentaram-se os três, com o irmão-contador se colocando automaticamente entre os dois, para evitar maior contato. No meio da apresentação, o pai chorava. Chorava de orgulho, ao ver sua filha despertando tanta emoção na platéia e em si; era algo belo, e instigava os sonhos de quem ouvia.

Mas não nele. Ele não conseguia sentir o calor despertado em tantos. E isso o irritava e, ao mesmo tempo, lhe dava uma sensação de ser superior. Era como uma compensação: não o sentia, mas ao menos não era fraco, por isso.

Seu pai percebera esses sentimentos, e quando a noite acabou, gritou com ele. Deveria ser sensível à situação, ter um catching para compreender como é bonito o que a irmã fazia. Ele então perguntou o quanto o violoncelo adicionava à renda familiar, e seu pai o bateu. Mas parou e percebeu. Ele era sensível. Não queria escolher um trabalho que não colaborasse com a família. Queria agradar o pai.

E tinha apenas quinze anos, o garoto.

"Amas a Verdade, e a Beleza, e a Retidão. E eu, por tua causa, digo que é bom e decente amar essas coisas. Mas, no meu coração rio-me de teu amor. Mas não
gostaria que visses meu riso. Gostaria de rir sozinho.
"
~ Gibran

segunda-feira, março 03, 2008

Cinco.

- ...Não é mais algo que a gente possa fazer. Já é a quarta vez que acontece, e eu sempre me dou mal e você sai ileso.
- Como assim ileso?!
- É, isso mesmo! Toda vez é isso: a gente vai, faz, e depois eu descubro alguma sacanagem tua. Algum vacilo teu. E fico puto, vou embora como o babaca da história, e tu sai ileso.
- Mas como assim, ileso, po?!
- Ileso, ora! Não acontece nada contigo, ninguém te acha babaca, ninguém te condena! É sempre...
- Não, eu não saio ileso. Calabocaporra. 'Xeu falar: Enquanto você vai lá, mudando sua vida, passando por cima de tudo, dando a volta por cima... Enquanto você pensa que "mais uma vez" eu te enganei...Enquanto você cogita a possibilidade de não mais olhar na minha cara. Eu não saio ileso.

Eu fico aqui, com medo da possibilidade de tu nunca mais olhar na minha cara. Devastado por saber que mais uma vez eu cometi um erro, e por ser tão idiota e desastrado, tu tá aí pensando que eu sou um filho da puta que te sacaneia. Destruído por saber que tu tá reconstruindo tua vida por saber que eu sou um destruidor.

É melhor você fazer isso. Sair, me deixar a sós com esse sentimento, e construir uma vida boa longe de mim, sem fazer mais isso.

Mas não pense que pra mim vai ser uma tarde no paraíso se isso acontecer.

"Quando é dia contigo, meu Amigo, é noite comigo. Contudo, mesmo assim falo do meio-dia que dança sobre os montes e da sombra de púrpura que se insinua através do vale: porque não podes ouvir as canções de minhas trevas nem ver minhas asas batendo contra as estrelas – e eu prefiro que não ouças nem vejas. Gostaria de ficar a sós com a noite."
~ Gibran