quarta-feira, janeiro 23, 2008

Jorge Alberto

Ó, Carlota Antônia!

Não me esqueçais, por obséquio! Sabeis que não tive nada mais que uma noite de luxúria com sua irmã, Gisele Marcelina!

Desculpai-me, ó doce e bela Carlota Antônia! Vós sabeis que sem ti, não vivo, não respiro, sou flor sem brotar. Sou folha sem pé, sou espinho a furar!

Acalenta-me, ó maravilhosa, dulcíssima e cativante Carlota Antônia! Recebe-me em teu seio! Recebe-me em teu colo! Recebe-me inteiro!

Graciosa Carlota Antônia, que será de mim sem teus carinhos, sem tua seiva a escorrer-me pela boca!?

Que será de mim sem tua vida a fazer a minha viva, minha vida!?

Carlota Antônia, comecemos por vosso nome! Ó, tal nome, que quando pronunciado deleita-me, deita-me em um manancial de grama verde e rubras flores!

E vossos olhos, cara mia, que quando fitam os meus, transportam-me para um mundo maravilhoso, dos sonhos, onde eu, viril e atlético, amo-te por toda a eternidade?

E ó, Carlota, perdoai-me a falta de sutilezas, mas percebo que gostas! Que aprecias!

Por pura generosidade que sei ser de ti, perdoai-me, aceitai-me novamente em teus braços, dentro de ti!

Mas se não te apetecem meus galanteios, se não te instigam minhas palavras sussurradas - assim - aos teus ouvidos... Dize-me agora, Carlota Antônia! Dize-me, que serei fiel ao meu amor, e defenestrar-me-ei agora!

Dize-me, Carlota Antônia!

Dize-me!

(tua deixa, vai!)

segunda-feira, janeiro 14, 2008

O dia branco.

Algo no ar, você tem certeza, o frio não está apenas frio; você sente seus pulmões molharem quando respira. O nariz se preenche com aquela sensação... Já "respirou" água gelada. Sabe como é. E é mais ou menos isso.

Você se esforçou. Esteve correndo por muitas horas. Agora o frio machuca. O ar que você respira machuca. Sabe que tem que correr mais. Mas machuca tanto... A angústia resseca todo o seu corpo por fora. Mas o ar, o ar úmido que você respira, machuca.

Falta pouco e você sabe disso. Sente que já esteve ali, mesmo sendo tudo branco, é um branco familiar. Pense pelo lado bom: imagine se fosse à noite? Pelo menos de dia você pode se guiar, saber pra onde está indo... Mais ou menos.

Você escuta os gritos, os chamados. Mas não consegue gritar. Não tem fôlego, e não consegue tomar; quando tenta, o ar machuca. Não chega nem a entrar completamente, e já vai molhando o pulmão. O interior de seu nariz congelado.

E então você para, descansa e vira de costas. Você a encara. E aí?


O que você faz?

quinta-feira, janeiro 10, 2008

Quero viajar este ano.

...Aquela ponte linda, de metal e concreto, meio antiga, e todo mundo batendo foto. Uma delícia, pô, a sensação: o vento, congelando até os ossos, e a gente lá, bem alto, bem alto! Foi ótimo! Todo mundo encasacado, olhando pro horizonte que dava pra ver lá de cima, e abaixo, o rio, e a gente sabia: quem cair, tá morto. O rio tava tão frio que juntava neve nas margens, pô.

Depois que todo mundo tirou as fotos, a gente decidiu continuar. Atravessamos o resto da ponte, e todo mundo parou num café que tinha lá. Bem ponto turístico, logo no finalzinho da ponte, cheio de souvenir, e, claro, todo mundo comprando. Tinha uns mapas lá, réplicas do mapa utilizado pelos primeiros moradores da cidade. Eu comprei logo dois, tava barato. Depois sentei sozinho - meus amigos estavam ocupados comprando presentes - e pedi uma cerveja preta.

Sentado ali, aproveitando a espuma cremosa, sentindo o vento forte e os raios do sol iluminando tudo, eu comecei a pensar. Decidi que era ali que eu iria morar, algum dia, e quem sabe, terminar os dias seguintes vivendo numa comunidade daquela. Seria um dia e tanto.

O pessoal terminou de fazer as compras e decidiu beber. Sentaram-se todos e começaram a rir, e contar piadas, e mostrar os presentes que tinham comprado pras famílias, amigos, e tal. Eu me levantei e voltei caminhando até a ponte. Quando cheguei no meio dela, algumas pessoas da excursão estavam por lá, fotografando, e eu percebi um pequeno grupo que eu não lembrava de ter visto, admirando o horizonte, como eu havia feito há alguns minutos. De repente, um papel escapa da mão duma garota, e sai voando. Eu disse, o vento tava forte.

A garota era linda, dum jeito especial. Não tinha nada demais, não era uma deusa. Mas era linda. Adorei os cabelos. E o papel? Voava, e voava, em minha direção, descrevendo uma espiral forçada pelo vento. Caralho, que cena: a garota começava a correr, tentando pegar o desgraçado do papel, enquanto ele rodopiava como que dançando, no ar, mais rápido que ela, mas nem muito alto para que ela não alcançasse, nem baixo o suficiente pra que caísse e parasse no chão. Em minha direção.

Quando o papel chegou perto de mim, tentei pegar. Com um pulo, estendi a mão e cheguei a sentir a folha em meus dedos. Também deu pra ver que era uma daquelas réplicas de mapa, que eu vira na loja. Pensando bem, lembrei que o grupo tinha acabado de sair da lojinha do café no momento em que pedi a cerveja. Sim, mas... A droga do papel escapou, de mim e da ponte, e foi descendo, ainda em espiral, fazendo menção de subir de volta, mas depois voltando a cair.

Até que caiu. Caiu no rio, e foi levado pela suave correnteza. E eu fiquei lá, como um babaca, debruçado sobre o corrimão pintado de laranja, vendo o papel boiar no rio. Droga, o papel dela. E aí percebi que ela estava do meu lado, olhando com um sorriso meio simples, frustrado, mas sem aparentar estar mesmo triste. Sorriu pra mim e "brigada por tentar", Com os olhos fechados, a cabeça meio pro lado, meiga.

Lembrei então que havia comprado logo dois, tava barato.

quarta-feira, janeiro 02, 2008

O Roubo da "Virtude"

Seis da noite. Tife simplesmente não aguentava mais aquilo. Parara de controlar os bocejos havia vinte minutos. Seus irmãos ficavam falando sobre a garota de cabelos curtos, e ele tentava fingir interesse, mas há vinte minutos não conseguia mais. Sequer olhou pra ela. Nem quando ouviu, sem querer, o pai da moça comentar com seu pai: "por ela ser a mais nova, creio que vosso filho Tife talvez venha a ser o felizardo".

O interesse de Tife estava no pai da garota. Não, Tife não o achou bonito. Não tinha nenhum problema em apaixonar-se por um homem, apesar de nunca ter acontecido. Tife estava interessado em seu dinheiro, e nas jóias que sabia-se por toda a vila que ele escondia. É, exatamente. Tife estava com sono por que era da noite. Não um noctívago, um boêmio, e sim um ladrão. Tife gostava de andar pela noite, invadindo casas e descobrindo tesouros.

Às seis e meia ele se levantou, pediu desculpas e foi ao quarto. Dormiu por quase seis horas, quando o arcaico despertador feito de água e sinos o acordou. Rapidemente se pôs de pé, interrompeu o barulho do despertador e se dirigiu à cozinha. A empregada, Maria, ainda estava limpando os restos do jantar, quando Tife apareceu à porta.

- Tudo limpo, Maria?
- Ai, patrão! Não faça isso de novo! Não, não está limpo! Seu pai e seus irmãos, strega, um bando de porcos! - Maria tinha essa mania de falar "strega".
- Não, querida Maria. Quero saber se todos se recolheram...
- Ai, patrão, não me confunde! Sim, sim, todos deitaram há cerca de 40 minutos!
- Vou indo, querida. Segure a pedra pra mim, sim?

Tife pagava cerca de dez por cento de tudo que arrendava em suas escapulidas noturnas. Em troca, Maria ficava quieta e lhe dava ajuda em tudo que ele necessitava, como da vez que ele precisou de banha de porco para escorregar por um tubo de latrina, ou quando ele precisou de uma lixa de unha para serrar barras de ferro de um porão.

Tife pagaria mesmo se Maria não lhe ajudasse. Sabe, Maria era uma alma boa. Simples, usava boa parte do seu dinheiro para pagar as dívidas do seu filho mais velho. Ele não era muito responsável, mas quem se importa? Maria não irá mais aparecer nessa história, muito provavelmente. Talvez seja um engano. Talvez ela apareça.

Enquanto Maria segurava a pedra para que descesse às catacumbas da família, Tife pensava "hoje será apenas reconhecimento, saber onde ficam os bens do velho, e como farei pra capturá-los". Seis noites por semana, três roubos. Era a rotina de Tife. Ele geralmente voltava antes das cinco da manhã, o que lhe rendia mais três horas de sono, totalizando nove por dia. Era um rapaz saudável, praticamente um atleta.

Ao chegar nas catacumbas, dirigiu-se ao seu caixão. Reservado para o dia de sua morte, ninguém imaginaria que lá ele guardava os equipamentos, as ferramentas necessárias para o exercício de sua profissão. Parou e pensou um pouco: a casa do seu anfitrião ficava fora dos muros da cidade. Era uma semi-fazenda. Ele tinha outras fazendas no decorrer da estrada, perto da charneca. Mas nessa ele cultivava alguns poucos vegetais, e tinha uma criação de quatro ou cinco ovelhas. Tife sabia também que a casa era toda de madeira, com fechaduras de ferro fundido. Tife sabia exatamente o que usar.

Após pegar as ferramentas necessárias, Tife encaminhou-se pro fundo das catacumbas. Lá havia uma grade, fechada por um enorme cadeado, para o qual apenas ele tinha a chave. Não que fosse necessária: comprara, havia três anos, uma chave-mestra de um caixeiro-viajante, e desde então, pouquíssimas fechaduras escapavam de sua girada. Abriu a grade, fechou-a e sem a juda de tochas, entrou no túnel escuro. Tife enxergava bem no escuro.

Continuou por alguns metros até sentir que pisava em água e escutar os guinchos dos pequenos ratos que se assustavam com seu avanço. Tife adorava a sensação. Mais à frente, escutou zumbidos. As baratas, formigas e besouros que habitavam as galerias de sua rua. As antenas geladas, as patinhas finas tocando seu pescoço, nada disso o incomodava. Apenas agitava suas mãos para espantá-los, e seguia em frente. E seguiu. Seguiu até encontrar o cano final, o enorme tubo que dava no córrego fora dos muros. Estava a poucas dezenas de metros de seu destino, mas de súbito...

Tife escutou cachorros, homens gritando, e viu ao longe, perto do muro, o escuro que recuava de seus domínios no decorrer do muro, assustado pela luz do fogo das tochas.

Continua...