sábado, setembro 22, 2007

Crise de Identidade (Acrono)

Em uma de suas andanças, vosso destemido autor conheceu um jovem. Um jovem, que assim como ele, tinha distúrbios. Só que um distúrbio diferente. A ele, não incomodava o mundo real. A ele, não se aparecia um mundo completamente novo. A ele, irritava seu comportamento social. Tudo que fazia para criar laços, dava errado. E ainda dá.

Um dia da história desse jovem, em particular, chamou a atenção deste que vos escreve: O dia em que o jovem, entusiasmado pelas novas companhias que buscava constituir, passou inteiro em uma livraria. Entre grandiosos autores, famosos escritores, um pequeno livro lhe chamou atenção. Um livro de poesias, que reunia vários artistas pouco conhecidos.

Então o jovem abriu o livro. Começou a ler, e fitou, por horas, um versinho criado por uma mulher de quem nunca ouvira falar. O versinho era pequeno. Uma página de 5cmX10cm, mas preenchida por apenas duas linhas:

E o que é a solidão?
A falta do outro, ou o excesso de mim?
- Maria Flora


E ele não melhorou de sua situação, não perdeu o distúrbio ou deixou de relevá-lo; apenas compreendeu e aceitou melhor. Não melhorou por que não importava o motivo: mantinha-se triste. Mas aceitou que tanto por um, quanto pelo outro, seria solitário. Aprenderia então a tomar proveito disso.

E assim, quase como vosso autor, criou uma certa simpatia pelo seu distúrbio.

domingo, setembro 09, 2007

A Ilha

Depois de sair do parque, encaminhou-se pra casa; não ia entrar, nem nada. Só dar uma olhada pra entrada do prédio. Lembrar de quando era pequena, e saía pra jogar futebol com os meninos. A mãe detestava isso, vê-la sair com garotos pra jogar bola, e não com as meninas pra brincar de boneca. Mas o pai adorava. Ele tinha menos preconceitos em relação a isso que a mãe. Ele adorava saber que a filha podia muito bem fazer atividades "masculinas", mas ainda assim conservar a asinha rosa de borboleta da fantasia do colégio. Ela era mesmo feminina, sabia disso.

Pensou em subir, pegar a asinha da borboleta, e levar consigo pra... aonde estava indo? Não saberia dizer nem quando chegasse. E isso não interessava, né? Desistiu de subir. A asinha de borboleta poderia esperar. Seu pai guardaria, com certeza. Desceu a rua com um sorriso estranho no rosto. Estranho pois não tinha motivo, não tinha razão para sorrir. E estranho fisicamente mesmo. Não era um sorriso feliz, era meio torto. Só então percebeu que chorava.

Mas por que choraria? Pelo que poderia chorar, se não tinha motivos pra ficar triste? Simplesmente por não ter motivos para ficar feliz. A dor não residia apenas nos problemas. A falta de problemas também representava a falta de soluções, e o gozo de resolver algo. Como quando resolveu pintar o cabelo de preto, pra esconder o laranja. O laranja natural, quer dizer. Mas não conseguiu. No dia seguinte, o laranja voltou. E aí é que se apresentou a real solução. Percebeu que ficava linda com o cabelo laranja. O laranja natural, quer dizer. Decidiu então fantasiar.


Enquanto descia a rua, com lágrimas nos olhos e um sorriso torto, pensou-se navegando. Mares calmos, num dia claro, e o vento muito, mas muito forte e frio. Seus cabelos voavam de um jeito muito charmoso. Nua, com os mamilos rijos, os mamilos bem no centro daqueles seios pequenos. A proa estava cheia de areia. Sentia frio nos pés, em meio às algas. Os albatrozes deviam ter trazido as algas pra proa, só podia. De que outro modo elas chegariam ali? Só se o navio tivesse submergido em algum momento, antes dela embarcar. E provavelmente foi o que aconteceu. O vento ficava mais frio, e os pingüins apareciam nadando, ao redor do navio. Eles eram rápidos, e o navio, lento. "Indo para o sul, sempre para o sul".

A ilha crescia no horizonte. Aquela ilha era para onde estava indo, com certeza. E agora, isso interessava. Sabia dizer que seu destino era A Ilha. Uma ilha bonita, que por causa do frio, tinha um pico daqueles bonitinhos, coberto de neve, mas a vegetação embaixo era densa. Densa de um jeito não-tem-ninguém-vivendo-aqui. Só a natureza. E enquanto o navio se aproximava, ela, na proa, alternava entre olhar pra ilha e pros pingüins. E chorava. Chorava de felicidade. Era maravilhoso, sentir aquilo. O frio não incomodava. Ou incomodava, mas era isso que era bom, por ser frio. É bom saber que você está sentindo muito frio, num lugar longe de casa, numa atmosfera lânguida. Era quase folclórico.

E enquanto não percebia os recifes de corais se adensando, indicando a proximidade cada vez maior da costa, também não percebeu o ônibus saindo da perpendicular. Morreu enquanto fantasiava com a ilha que seria seu destino.