sexta-feira, agosto 31, 2007

Como foi?

"...foi quando me sentei, no telhado. O telhado lá do prédio é bem legal, à noite. Não à noite assim, nove, dez; não. Tipo, de madrugada. O prédio fica no centro da cidade, e de madrugada não costuma ter muita gente passando por lá. Se tivesse, faria diferença sim, pois não é muito alto - tem apenas sete andares - e o barulho incomodaria. Mas de madrugada, em dia de semana, não. Não incomoda.

Mas bem, como eu dizia, foi naquela madrugada. Eu tinha comprado uma caixa com seis cervejas. Levei lá pro telhado, e ninguém havia mexido no meu 'cantinho', que é onde eu deixo minha cadeira de praia e o isopor, com a tampa cheia de fita crepe. Joguei as cervejas lá dentro, e abri uma. Sentei na cadeira e curti o vento, o silêcio. É bom, é quando a gente involuntariamente passa a pensar. A refletir sobre as coisas. Começa pensando no dia, o que aconteceu, algo que fugiu da rotina e aí tu termina pensando em coisa que não tem nada a ver. E é massa.

É massa como a gente percebe que fez algo errado, ou algo certo, numa situação dessa. Até quando a gente lembra de ter feito uma coisa muito idiota, a gente fica com vergonha de novo, mesmo não tendo ninguém. Mas bem, acabei a primeira cerveja - que já tinha ficado quente, pois demorei a beber pensando -, e já ia soltá-la no chão. Aí vem a parte estranha: de repente, começa a chover, mas parece que tava chovendo há muito tempo, por que quando eu senti o primeiro pingo, a roupa já tava toda molhada. Me levantei pra ir pro abrigo, embaixo da caixa-d'água, mas me detive assim que dei o primeiro passo.

Joguei a garrafa vazia na parede da escada, e foi em câmera lenta. Não sei o que houve, eu não tava bêbada! Ainda tinha acabado de beber a primeira! Mas acompanhei a garrafa voando em direção à parede, e vi alguém saindo pela porta. Não dava pra ver direito por que tava escuro, mas não bateu no vulto. Nem perto. Nem os estilhaços, quando quebrou. O vulto simplesmente continuou a andar, em minha direção. Aí comecei a pedir...

-...desculpa! Eu não tava vendo. Não sei o que me deu, eu... eu só senti vontade de jogar.
- Nah, tudo bem. Não passou nem perto. Eu também não sei o que aconteceu. Só senti vontade de subir.

Ele era forte... Tinha um jeito de quem fazia artes marciais. A silhueta dos braços, descansados, não encostava na cintura, pois era l a r g o. O tipo de homem pelo qual não me interesso, acho que intelectualmente. Também não dava pra ver o rosto direito, mas parecia ser bonito. Era firme, marmóreo. Aparentemente tinha uma barba por fazer, mas não grande, só crescendo. Digo por que deu pra ver como a chuva se concentrava ali, ao redor da boca. Aquela boca, ali sim dava pra ver; ou sentir, não sei! Não sei, não senti tesão de imediato, mas achei bem sexy. O contexto o era.

Ele trazia mais doze cervejas. Aparentemente, teríamos uma festa! Nossa, qüão inusitado! Perguntou se poderia colocar no isopor, e eu disse que sim. Não deixei aparentar medo ou desconfiança, nada assim. Tentei ser a dona do momento. Eu ditava as regras. É sempre assim, quem manda sou eu! Mas...eu não tinha marcado nada, não tínhamos resolvido nada... Ele poderia estar ali esperando alguém! Mas por que usar o meu...

-...isopor? É perfeito. Poderia ter mais uma cadeirinha, mas não tem problema. - Disse isso enquanto sentava no chão, abrindo uma das minhas que estavam mais geladas.
- Ah, faço isso sempre que posso...É uma espécie de...hmmm...
- Retiro? Eu vim aqui em cima com essa intenção. Hoje pela manhã eu subi, e vi o isopor e a cadeirinha... Achei que eram deixados pelos moradores para serem usados pelos próprios. Não imaginei que tinham dona.
- Ah, relaxa. Mas... eu não lembro bem de você... A gente se conhece? Tu mora aqui no...?

Ele então contou que era amigo de Diogo, meu vizinho de andar. Veio de outra cidade pra estudar, e ainda estava procurando um lugar pra morar. Tava até pensando em alugar o apê da frente do meu, que estava desocupado. Ele falava de um jeito bonito. Meio arrastado, meio rouco. Tinha cabelo grande também, só percebi depois, pois tava preso. Mas era até bonito. Ele tinha jeito de surfista...Mas tinha jeito de mafioso também.

Putz, eu e minha mania de rotular. De qualquer forma foi massa, a noite. Conversamos sobre um monte de coisa. Sobre a faculdade que eu estudo, sobre a que ele ia começar, sobre dinheiro, sobre trabalho, sobre bebida, cinema. Ele gosta de fotografia também. Falou que gostaria de repetir aquela baladinha a dois, só que com outras bebidas, talvez. Viciado em cerveja também, mas tava achando a barriga muito grande. Rá, e a minha, panacão?

Bem, depois disso, a gente foi ficando bêbado, e fomos pro meu apê. Agora é tua vez de contar, qual foi a que tu mais gostou?"

E abriu outra cerveja.

quinta-feira, agosto 30, 2007

Sepukku

O Relógio do parque batia 23 horas. Onze da noite. Na vera, era proibido ficar até essa hora. O parque fechava às 21. Nove da noite. Mas el* ficara meio que escondidinh*, no último banco, depois da jaula dos macacos-prego. Engraçado, isso. Um parque, com vários motivos de saúde, pista de cooper, exercícios, etc. Cheio de plantas, crianças correndo (de dia, pelo menos), e cheio de jaulas também, com animais enclausurados.

De repente um apito. Putamerda, os seguranças *. "Se me pegarem aqui, vão telefonar. Vão telefonar, ou no mínimo, com sorte, apenas me mandar sair do parque". É quando começam os calafrios, a sensação. Adrenalina, isso pelo menos el* tinha aprendido. Muita adrenalina. Levanta e corre pra trás da jaula, segundos antes dos seguranças dobrarem a esquina. Tá escuro, não vai dar pra vê-la. Os macacos só precisam ficar quietinhos.

Quando levantou do banco, o vento começou a movimentar-se. Mais, mais forte. Mais adrenalina. Seus cabelos, compridos pra negar a tendência atual, eram de um laranja intenso, e meio que iluminaram todo o caminho entre o banquinho e o corredor. Seus olhos, pretos como piche, criaram um rastro de luz branca (pelo reflexo) que parecia efeito de cinema, em filme de terror. Um não, dois; eram dois rastros, por serem dois olhos.

Os seguranças passaram e viram todos esses indícios, o raio de luz laranja parecendo fogo emitido pelos cabelos, os rastros brancos das bolinhas, reflexos das luzes dos postes nos olhos. Perceberam a mudança no vento, que ficou bem mais forte, e mais frio. Percebram todas as pistas psicodélicas desse movimento. Inclusive, até acreditaram ter visto um vulto entre as folhas de bananeira e o corredor atrás da jaula dos macacos-prego. Mas as atribuíram à maconha que haviam fumado minutos antes.

El* escapava mais uma vez, e isso já estava se tornando um hábito. Talvez o sucesso ao escapar também, mas principalmente a necessidade. Necessidade de fugir. Não iria querer mais estabelecer relacionamentos. Iria fugir pro resto da vida, manter-se ausente. Sua intenção era extinguir de vez as bolinhas que representavam o brilho nos olhos. Talvez até mudar o cabelo. Não merecia.

Iria pra longe, arrumar um emprego medíocre. Medíocre justamente por isso, para se identificar com seu ego. Era assim que se torturava por ter feito qualquer coisa repreensível. Sua consciência a repreendia na intenção de lhe colocar "no seu lugar". "Você não tem capacidade pra isso, com que intuito o fez?" ou "como tem coragem de pensar em fazer isso, se você tem esse retardo mental?"... "Com que direito?".

Mas dessa vez fora longe demais. Aparentemente, sua consciência * havia abandonado, por desistir de sua redenção. Mas continuaria agindo como se ainda a tivesse. Como que na intenção de mostrar pra ela que sabia se punir sozinh*, mas gostava da presença de uma entidade superior. Redenção, era isso que a consciência lhe prometia. Mas algo lhe viria à mente: Acaso os macacos-prego têm redenção, uma vez que não têm consciência? Se não tiverem, aliás. Mas ainda assim são seres vivos. E merecem a redenção. A salvação.

Naquele momento não pensara nisso, apenas em dar-lhes um pouco da sensação de estarem salvos, livres. E com isso, el* se sentiria safo, libertin*. Eis a parte boa de estudar em uma escola comandada por freiras. Lá, se aprende de tudo. Desde fumar até arrombamento. E foi o que fez: com uma mola retirada do isqueiro (não tinha mais cigarro, era desnecessário, então) abriu o enorme cadeado que separava os macaquinhos da liberdade do parque. Abriu a grade e entrou na jaula.

A princípio, os macacos-prego estranharam. Mas logo começaram a se exaltar, e em poucos minutos, todos haviam saído da jaula. Mas a jaula não estava vazia. Nela deitava uma pessoa, de cabelos laranja, com uma faca enfiada na barriga. Seus olhos não exibiam mais as bolinhas brancas de luz, talvez por já ter morrido, talvez por que a jaula era escura. E o sangue escorria em direção aos cabelos. Como era sua intenção, mudar os cabelos e perder o brilho nos olhos. Não merecia.

domingo, agosto 26, 2007

E o que me resta?

Chega do trabalho, toma banho, e olha o que tem pra comer. Nada atrai. Não, pode até ser algo interessante, mas não atrai. Come dois biscoitos, e vai pro computador, mas também não atrai. Vê pessoas com quem gostaria de conversar através da enorme rede, mas também não se sente muito na váibe chat. Enche o saco de tudo e deita pra ver filme.

O filme acaba, desliga o monitor e vai dormir. Só que chegam os pensamentos. Críticas e contestações, reflexões. Será que...? Ou...? Tanto faz. Mas não faz, o pior é isso. Fuma um cigarro. É legal, assim: tudo no escuro, somente o LED do gabinete do computador aceso, e acende um cigarro. Ficam duas luzinhas: uma estática, e uma amarela, se movimentando, seguindo sua mão. A escuridão ajuda no ludismo da cena. Apenas a ponta do cigarro. Esquece até de tragar, as vezes.

Mas traga. E traga forte, até doer a garganta. Doer de um jeito que se sinta vivo; ora, como sentir dor se não se está vivo? Talvez a maior vantagem do cigarro seja essa. Meio masoquista, porém, realidade inegável. O cigarro acaba antes que o sono chegue, maldição. Sem vontade de acender outro, fecha os olhos e espera a escuridão tomar conta também dos pensamentos. Rá, impossível. Os pensamentos voam, num dia claro, que só tem nuvens pra tornar mais caótico. Mas é como se não houvesse nenhuma, pela claridade.

Os pensamentos, nesse exato momento, podem ser comparados ao meio-dia no Centro de uma Metrópole. Se percebe em pé, numa esquina, vendo a rua movimentada com os carros, caminhões de entrega de refrigerantes, ambulantes gritando os vulgos de suas mercadorias. Estudantes saindo das aulas, outros chegando para o turno da tarde. Gritos, buzinas, e afins.

Mas sabe como é um meio-dia no Centro de uma grande Metrópole. Se conseguir se concentrar, evitar dar atenção ao barulho dos gritos e buzinas... Talvez perceba que ainda existem uns poucos pássaros cantando. Nas árvores mais altas, tá certo, longe do caos. Mas ainda existem; e é nessa hora que se dorme.

É nessa hora que pode se dormir.

sábado, agosto 25, 2007

A Verdadeira História VIII


Então. Três meses e meio haviam se passado. Eu já havia voltado a trabalhar, ainda que com dificuldade. Reduzido a uma jornada de cinco horas diárias, por causa do ferimento, o dia não era muito produtivo lá na Soft. E também não tinha sentido, pois Ela não estava mais lá. É, me informaram que quatro dias depois de eu entrar em coma, ela saiu do hospital, se demitiu, e despareceu. Vanished. Simplesmente sumira do mapa. Nem Renat* sabia algo sobre ela.

Também havia muita coisa pra eu me preocupar. Tinha que resolver coisas da indenização. É, o juiz disse que foi culpa do pessoal do Edifício, que não deu segurança aos moradores. Foda isso, né? Não fui nem eu quem lançou o processo. Foi D. Amália. Né foda? Foda. Bem, eu não me importaria em ganhar mais alguma grana. Mas tinha o processo, tinha que testemunhar, e os blablablas de sempre. Eu tinha acabado de levar um tiro, meu "mundo" sumira, tive que gastar muito com o hospital, etc. A coisa não tava legal pro meu lado, não.

Mentira, nada disso me preocupava (tá, talvez a perda do distúrbio), só Seu sumiço. Pra que? Por quê? Por que eu provavelmente viraria um inválido, se não morresse? Bah, não tem pra quê eu pensar isso. Ela não pensaria assim. Foda. Foda mesmo! De qualquer forma, ela se foi, né? E eu estava sem meu mundo. Culpa do meu mundo. Quem me mandou sorrir? Quem mandou aqueles caras perceberem meu sorriso? Quem me mandou enfiar o copo no ombro dele? Devia ter recebido as pancadas na minha, já tava fodido mesmo. Foda-se! Foda...

Eu passei dezoito dias em coma. Dezoito! E ela passou quatro deles lá, no hospital. Mal comeu, enquanto eu comia por tubos. A enfermeira gostosa disse que ela simplesmente acordava, e ficava sentada do meu lado, até dar sono, e dormir por mais umas quatro, cinco horas. Pra acordar e ficar de novo. Comer um sanduiche por dia, com um copo de "mangaranja", que era um suco de manga com laranja (duuh, óbvio) que serviam na lanchonete. E depois, ir embora? Putz! Que não ficasse NENHUM dia! NENHUM! Que não sentasse ao meu lado, que comesse até estourar, que se destruisse em bebidas e sexo e drogas, quanto eu agonizava (ou não, tava em coma)! Mas ficasse comigo pra sempre. Estivesse aqui quando eu acordasse.

Mas ela não estava. Os girassóis azuis não estavam. O céu, rosa, azul, laranja e branco não estava. As zebras, os palhaços e malabaristas não estavam. As roupas, uma mistura de retrô, de medieval, com futurista, cheio de cores. Nada disso estava. Apenas a sensação de ressaca, que todo dia, mesmo sem beber, eu tinha. Apenas o pressentimento de que eu talvez não tivesse vontade de acordar no dia seguinte. Apenas o medo de levar outro tiro cada vez que eu descia pra fazer compras (no mercadinho ao lado do bar). As maçãs, a camisa que ela usara. O cigarro, que joguei pela janela. Eu tinha medo, eu tinha saudade.

O cara morreu. Os guris daqui do prédio o espancaram, mas não até à morte. Não, disso se encarregaram meus amigos de bar. Alguns até conheciam o cara, mas eu os imagino dizendo "foi mal aí, Gervásio (ou whatever it is o nome dele), mas tu mexeu com o considerado da galera" ou "mermão, tu não devia se meter com a turma que mora por aqui" ou suas variantes. Foi encontrado boiando no rio mais conhecido da cidade, com buracos de bala, faca, marcas de linchamento. O amigo foi encontrado, pois era o dono da arma. O amigo em quem enfiei o copo. Foragido, o pilantra. Tentou correr da polícia e virou peneira. Putz. Eu sou amaldiçoado. E quem se mete comigo também, pelo visto.

Foda, isso.

quinta-feira, agosto 23, 2007

A Verdadeira História VII


Barulho de vidro despedaçando. De onde...? A porta da varanda. Meu peito sangrava muito, e aparentemente, a bala varou o meu corpo, atingindo a varanda. Ela gritara. Acordei com aquele rosto lindo chorando em cima de mim. Doía pra caralho, putamerda! A gente sempre pensa que essas dores muito fuderosas a mente não registra, e por isso é como se não doesse. O cacete que não! Só que mesmo assim eu tava tranqüilo. Seus olhos. Nem o barulho, nem a dor, nem o desmaio fizeram os seus olhos desaparecerem. Ainda estava em meu mundo. Ela ainda estava em meu mundo.

Os vizinhos chegaram, Dona Amália chorava, gritava que eu era jovem demais. Antecipando mesmo, a velha queria que eu morresse? Putz! O porteiro apareceu com um médico que tinha se mudado recentemente. Ela não soltava minha mão, apesar das constantes advertências do médico. Uma pessoa que eu nunca vira ligava pra emergência. Putamerda, que dor. Mas eu não esperei, foda-se a emergência. Eu me levantei, mesmo o médico tentando impedir. Mesmo a visão turvando, ficando escuro (e vermelho, juro, parecia sangue nos olhos), me levantei e fui ao corredor. Os adolescentes da academia, que moravam no meu andar, espancavam o cara na porta do elevador. Ele já estava inconsciente, mas batiam nele mesmo assim. Putz, é bom ser querido.

Encostei na parede, e acendi um cigarro. Dona Amália veio tentando tirá-lo de mim, mas eu disse que tava bem. Engraçado isso. O médico disse que meu corpo cauterizou o ferimento, e que provavelmente não tinha atingido nenhum órgão vital. Mas tava doendo pra caralho. A ambulância chegou. Fomos eu, o médico e Ela. Ela ficava calada, olhando pro ferimento, mas não pro meu rosto. Eu não conseguia mais falar, nem ouvir nada. O som tava abafado, e as luzes estavam estranhas. Eu me senti morrendo. E eu tava, acho! Mas aí ela se abaixou e me beijou. E putamerda, ela dormiu com a cabeça no meu peito, em cima do sangue. Dormiu mesmo, escutei um leve ronco. Aí eu desmaiei.

Tive uns sonhos estranhos, senti dor. Um macaco de batina usava uma serra elétrica em meu peito. E ela estava lá, rindo...Ou chorando, sei lá. Mas ela gritava, apontava pra mim. Médico e enfermeiros tomavam whisky, enquanto o macaco gritava "mais endorfina, mais endorfina" com uma voz meio símia! Como eu sei que era símia? Whatever. E aí vinha um porco e com as mãos (ele tinha 3 dedos em cada), abria um buraco em meu braço e vomitava algo dentro. Eu me sentia ligadão. Depois o escuro. Me senti mesmo no escuro, e escutava vozes. "Provavelmente das pessoas conversando em meu quarto", pensei. Mas diferente dos filmes, eu não discernia as palavras. Só sabia o significado: Talvez eu não saísse daquela. E também reclamavam de terem deixado eu fumar, ora! O que poderia acontecer? Sair fumaça pelo buraco da bala?

- Ora, finalmente! - A enfermeira parecia tirada de um seriado de estereótipos. Boazuda mesmo.
- Hmmm, olá. Bonitos olhos.
- Mas veja! Um piadista! Então, como está se sentindo?
- Incrível. Você não faz idéia... Que dia é hoje?
- 24 de setembro. Você passou 18 dias em coma.

Não consegui falar. Só então percebi que o meu mundo tinha ido embora. E Ela também.

domingo, agosto 19, 2007

Intervalo

Não tô mais conseguindo segurar. Já são mais de 70 segundos sem respirar. Meus pulmões, debilitados pelo fumo, não aguentam tanto tempo sem adquirir seqüelas! Vou ter seqüelas, certeza! Setenta segundos. 70. Setenta segundos sem ar, começo a ficar tonto. Como eu cheguei até aqui já é uma pergunta! É uma façanha incrível, alguém como eu conseguir passar tanto tempo sem respirar!

Ficando tonto, ficando tonto. A dor é lancinante. A cabeça começa a girar, e nenhuma aventura se equipara a isso. Lancinante, setenta segundos, ficando tonto, dor. Uma dor na cabeça, daquelas agudas, apenas em um lado do cérebro. Deve ser relacionado a alguma faculdade que eu perderei, se ficar muito tempo assim, alguma faculdade ligada ao hemisfério direito do cérebro. Que função é essa, eu não sei. Mas dói, como uma agulha perfurando o crânio e sugando o líquido que envolve este hemisfério. O direito.

Ficando verde, tonto. Mas como eu sei que fiquei verde? Ora, é assim que ficamos quando estamos sem ar, né? Ou é azul? Roxo? Não sei, eu não estava enxergando meu rosto. Putz, a essa altura, eu já devo ter passado mais de 100 segundos, quase dois minutos. Eu não sei mais quanto tempo vou aguentar. Tonto. Tá as palavras difícil organizar ficando. Tonto, demais tonto. Não aguento mais. É o fim!

- Putz, ainda bem que saímos. Esse carro tá fedendo a vômito.
- É, eu fiquei muito bêbada ontem. Desculpa.

segunda-feira, agosto 06, 2007


Atualizado, leia o Post anterior.


A Verdadeira História VI



Acordei às duas da tarde. Era feriado, e ao meu lado, ela dormia. Dormia bem, aparentemente. Esboçava um sorriso. Um sorriso! A alucinação não tinha passado! Mais uma vez, eu acordei em meu mundo! Eu estava com uma dor no pescoço, provavelmente por dormir com sua cabeça em meu peito, e olhar pra baixo para contemplá-la, até dormir. Passei ainda mais vários minutos assim. Não ousei me mover.

Depois, com o cuidado de não acordá-la, me levantei e fui ao banheiro. Lavei o rosto, escovei os dentes. Voltei ao quarto, peguei a carteira de cigarros - como aquilo foi parar ali? - e fui à cozinha. Com o cigarro aceso, pendurado na boca, de samba-canção e sem camisa, liguei a cafeteira e sentei na varanda. Logo depois, um estalo: Putz! Não é assim! Eu tenho visita! A melhor visita ever! Joguei o cigarro pela varanda, corri pra cozinha e abri a geladeira. Não tinha muita coisa, eu não costumo tomar café. Sorte que eu gosto de frutas, e isso, i'd got plenty.

Fechando a porta da geladeira, equilibrando frutas, e queijos and all, ela estava lá, com minha camisa, nada por baixo - minha camisa servia como vestido pra ela -, olhando pra mim com aquela cara de sono. Sorria, e estava com a mão em cima da minha carteira de cigarro. De repente, andou em minha direção, acendeu o cigarro, e colocou em minha boca. Puxou uma maçã da pilha que se amontoava em meus braços, e foi pra varanda com a xícara de café que já tinha colocado sem eu perceber. Fiquei preocupado. Tava ventando muito, tava nublado e frio. Mas era a única preocupação que eu tinha naquela tarde.

- Eu não tomo café da manhã. Vou comer essa maçã pra te agradar, tá?
- Não precisa. Eu também não tomo.

Sentei com ela e coloquei um cobertor em suas pernas. Mas ela também adorava o frio, e tirou, com um sorriso. Terminei o cigarro e o café. Me levantei pra pegar mais, e quando cheguei na cozinha, encontrei-o. O amigo do homem em cujo ombro eu havia enfiado um copo, no bar, no último domingo. Ele segurava uma arma, apontada pra mim.

Então tudo ficou frio e escuro, e eu só pensava em uma coisa:

_________Podia ter matado alguém quando joguei o cigarro pela varanda.